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Análise

Actos inqualificáveis

A sociedade definha e alguns actuam como se a culpa fosse dos inocentes

Voltaram a segredar-nos sem pudor que o ideal jornalístico dos profissionais no activo devia estar assente noutro tipo de postura, porventura mais focada nas “boas notícias” do que na realidade portadora da crueldade humana, mais alinhada com a misericórdia infinita do que com os ajustes de contas, mais cúmplice da utopia do que dos pesadelos, mais pacificadora do que geradora de contenciosos, em suma, mais hipócrita do que comprometida com a verdade dos factos.

Na prática, gente que assim pensa quer a perfeição que não existe, a mentira que dá jeito e o sonho que não constrói. Por exemplo, entende que nos 25 anos da nossa estimada Laurissilva não devia haver lugar a reparos dos entendidos, quer dos que estiveram na sua génese, como dela cuidam; que no premiado Turismo madeirense nada fosse questionável, nem mesmo o que é óbvio; que nos devíamos limitar a relatar episódios repetitivos da política regional à deriva, sem intervir no demorado folhetim que visa colocar nos diversos poderes a mediocridade sem escrúpulos e a ignorância atrevida; que sobre o CINM só se pronunciem os que tudo fazem para que seja enterrado vivo ou os que se encarregam de retirar-lhe competitividade e não quem o entende como instrumento de desenvolvimento da Região e quem o defende; que do Marítimo só se fale de bola, mesmo que, quando esta teima em não entrar, surjam em campo comissões luxuosas que, apesar de absurdas, são aprovadas pelos sócios em Assembleia Geral.

Podia ser pior. Não raras vezes pedem-nos o ridículo, para manipular os algoritmos das redes sociais, para eliminar notícias incómodas e destruir fotografias comprometedoras. E solicitam ainda favores impossíveis, como se fossemos conselheiros matrimoniais, agentes secretos, psicólogos clínicos, detectives, polícias, bombeiros, feiticeiros e mais umas quantas especialidades, em nome da solução fácil para as dificuldades em que se meteram de livre vontade.

As ‘avestruzes’ da nossa sociedade tudo tentam para sobreviver, desde que nada se saiba e que a pele que mimam ou bronzeiam fique a salvo. Por isso, muitos fingem não ver o horror em curso. Até ao dia em que a detestada “má notícia” bater à porta de cada um.

A semana foi infelizmente fértil em actos inqualificáveis, prontamente noticiados pelo jornalismo responsável, aquele que não é passível de ser confundido com a delinquência à solta, encarteirada ou não, mas manifestamente alucinada, dado o teor de publicações eivadas de falsidade e de afirmações gravemente atentatórias da honra, dignidade e bom nome dos visados. Quase tudo sem consequências visíveis, sem reacções públicas inequívocas, nem manifestações de desagrado.

Uma sociedade que encolhe os ombros quando vê um pai de 32 anos, suspeito de violar a filha “em número indeterminado de vezes” e na própria habitação; quando sabe que o sistema de controlo e vigilância tem sido permeável à entrada de droga no Estabelecimento Prisional do Funchal, num momento em que um quinto dos guardas está de baixa; quando se delicia e filma agressões em série nos bairros sociais com cadastro ou nas zonas urbanas mais ‘in’; e quando abandona à sorte os mais indefesos, se especializa em burlas de todo o género e destrói bens públicos, dificilmente tem cura.

Mas não custa tentar recuperar os valores perdidos, a dignidade atraiçoada, as vidas adiadas e os sonhos desfeitos. Se calhar, mais do que um improvável repasto conciliador, importa sentar à mesa quem pode mudar o rumo dos acontecimentos. Isto se ainda houver gente que troque cinco minutos de fama por um bem maior e sinta vergonha do vandalismo empenhado em dar cabo dos princípios inegociáveis.