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Crónicas

Outra vez o cansaço

1. Estou cansado, muito cansado. As paredes do gabinete, o corredor, o silêncio apenas interrompido pelo ruído da rua, tudo isto se agarra ao corpo como um peso que não se solta. Somos uma pequena equipa, e há dias em que o cansaço parece uma dor de dentes constante, aquela dor que não nos larga, que martela o osso, que se vai entranhando nas noites mal dormidas. Tentamos estar presentes em tudo o que se move, muitas das vezes sem saber ao certo ao que vamos, mas sabendo que não podemos parar. Se não fossem as duas pessoas fantásticas que trabalham comigo, com uma capacidade de trabalho que me faz sentir, tantas vezes, pequeno, apesar do tamanho que arrasto, já teria estoirado. Eles, e a minha família, são a minha força, o meu alicerce, e é graças a eles que consigo levantar-me todos os dias e vir para aqui, para esta guerra sem fim, esta guerra onde não há vitórias, apenas batalhas que se sucedem. Somos mais do que uma equipa – somos uma trincheira de resistência, recusando-nos a aceitar menos do que aquilo em que acreditamos.

Estou cansado também de trabalhar para o vazio. De dedicar horas de esforço, de imaginar propostas, de tentar criar, e de ver tudo resvalar na indiferença dos que se acomodaram ao poder, dos que não têm chama, dos que acreditam que o simples facto de estarem ali, sentados nas suas cadeiras confortáveis, lhes dá direito a aí permanecerem eternamente.

Cansado dos corporativistas, dos que protegem os seus interesses, que se fecham em pequenos clubes, sorrindo entre eles como hienas saciadas; dos arrivistas que, por vezes, me fazem pensar em ratos a fugir de um navio que afunda, tentando escapar, pisando em todos os outros; e dos tolos, os tolos, que são muitos, que são demasiados, que pela sua ignorância ou conveniência se tornam cúmplices desta triste comédia.

Estou cansado da falta de sentido de Estado que nos arrasta pela lama, essa lama que se agarra a tudo e a todos, que se cola às pernas e aos braços e nos impede de andar. Estou rodeado de uma lama que me puxa os pés e me suja a alma. Não sou melhor do que ninguém. Sou mais um, um homem que tenta, que falha, que se cansa, que, às vezes, não tem força para sair do lameiro, e que então fica, imóvel, a olhar para o vazio. Esta falta de visão, esta recusa de compromisso com o futuro, é uma sombra que paira sobre o nosso trabalho, é esta, sim, a mão invisível que nos agarra e nos puxa para trás, enquanto tentamos avançar, enquanto tentamos, com o pouco que temos, ser parte da solução. Somos todos vítimas desta inércia, que alguns escolhem aceitar, de que aceitam a cumplicidade, enquanto outros tentam, ainda que seja apenas por um momento, ser diferentes.

Estou cansado de ver a Autonomia a ser reduzida, humilhada, a ser tratada como uma criança a quem tiram os brinquedos porque não sabe brincar. Aquilo que deveria ser o nosso maior trunfo, a capacidade de decidir o nosso destino, é tratado com desprezo. Vejo, todos os dias, as decisões que deveriam ser corajosas serem substituídas por escolhas tímidas, por medo, por falta de coragem. A Autonomia, a expressão da nossa identidade, está minada por aqueles que não compreendem ou que, simplesmente, não se importam. E assim, passo a passo, vamos perdendo o que conquistámos, vamos sendo reduzidos, humilhados, desfeitos.

Cansado, muito cansado de ser tratado com soberba e arrogância por aqueles que não têm sequer água para se lavar. Há quem se julga superior, que pensa que os títulos e os cargos os tornam melhores do que os outros. Gente que confunde poder com mérito, que se esquece que o poder não é nada se não for usado para servir. Essas pessoas, que muitas das vezes não têm competência para estarem onde estão, olham-nos de cima, como se fossemos de menos, como se fossemos apenas sombras, apenas ruído, apenas nada. E eu, cansado, escuto essas palavras vazias, esses sorrisos falsos, e sinto uma vontade imensa de me ir embora, de deixar tudo para trás, de me perder.

Mas não. Desenganem-se os que pensam que desistir faz parte do meu léxico. Desenganem-se os que acham que podem parar o futuro, quando o mais que conseguirão é atrasá-lo. Por mais cansado que esteja, por mais que a lama se agarre, por mais que os ratos corram e as hienas se riam, não paro. Porque não temos dúvidas: estamos do lado certo da história. A nossa luta é pela mudança, pela justiça, pela verdadeira Autonomia. O caminho é longo, é duro, e há momentos em que parece impossível. Mas vale a pena. Porque somos dos que acreditam num futuro diferente, num futuro onde o mérito, a competência, e o bem comum sejam os pilares de tudo. Estamos do lado dos que não se rendem, dos que não se acomodam, dos que não têm medo.

Continuamos porque acreditamos. Continuamos porque sabemos haver algo maior do que nós em jogo. Continuamos porque sabemos que, apesar de tudo, plantamos sementes que um dia darão fruto. E é por isso que não desistimos. Porque o futuro pertence aos que não desistem. Porque a história faz-se com a coragem dos que não se rendem, dos que sabem que, mesmo na adversidade, vale a pena lutar pelo que é certo. Porque a história não é para os que descansam, para os que se escondem, para os que têm medo. A história é para os que, mesmo cansados, mesmo no meio da lama, continuam a caminhar.

2. Foi uma semana daquelas na Representação Parlamentar da Iniciativa Liberal na ALRAM. Mais um capítulo de uma luta que nunca terá fim. Apresentámos e defendemos três propostas em Plenário, e nenhuma passou. Ficou à vista de todos aquela velha política, bolorenta e cheia de interesses que só servem para proteger os amigos e os partidos, deixando de lado o que realmente importa: os madeirenses. Ficou bem claro quem está ali para defender a Madeira e quem só se interessa pelas conveniências e pelos interesses obscuros.

Primeiro, propusemos que as Muralhas do Funchal passassem para a tutela do Governo Regional. Porque, convenhamos, a Câmara Municipal do Funchal não tem mão para cuidar deste património. Deixaram, sem qualquer vergonha, destruir uma parte significativa das muralhas na Rua Major Reis Gomes – um verdadeiro crime arquitectónico, com a cumplicidade do PS, que na altura liderava a Câmara e autorizou esta desvergonha. Pois bem, o PS votou contra a nossa proposta. Nada de novo, afinal. Esta aliança informal entre PS e PSD continua firme sempre que é preciso encobrir erros e proteger interesses que nada têm a ver com o bem comum.

Depois, apresentámos uma proposta para que os professores que vieram do sector privado e ingressaram no ensino público vissem o seu tempo de serviço reconhecido. É uma questão de justiça básica, igualdade de tratamento. Mas não. O lobby sindicalista-corporativo do PSD, do CH e do CDS/PP não podia permitir tal coisa, e votaram contra, com o PS e o JPP a darem o seu apoio discreto ao chumbo por intermédio da abstenção. E o maior acto de hipocrisia veio do Chega, que apresentou um Projecto de Resolução, como tal de carácter meramente recomendativo, que foi aprovado, mas que todos sabemos que não terá nenhum efeito prático, porque o Governo faz orelhas moucas a estas recomendações. O Chega votou contra a nossa proposta, que tinha força de lei e impacto imediato, mostrando bem que o seu compromisso com os professores é puro engano e demagogia.

Finalmente, a nossa proposta de criação de uma Zona de Protecção Especial para o Fanal foi rejeitada. O Fanal, uma das joias da nossa Floresta Laurissilva, precisa de ser protegido com urgência. Mas o PSD, o CH, o PS, o JPP e o CDS/PP não quiseram saber. Preferiram abster-se ou votar contra, mostrando que a preservação do nosso património natural não lhes interessa minimamente. A indiferença e o desprezo que mostraram por um dos nossos maiores tesouros naturais é inaceitável e vergonhoso.

Não há outra forma de o dizer: os culpados têm nome. PSD, PS, CH, CDS/PP e JPP. Estes são os partidos que, na hora da decisão, preferem proteger interesses escusos e manter o “status quo”, em vez de agirem em benefício dos madeirenses. É esta a velha política que temos de combater: uma política de favores, de hipocrisia, de traição aos interesses da população.

Estaremos sempre aqui. No mesmo lugar. A defender, sem cedências, os interesses da Madeira e dos madeirenses.

3. Para terminar reservo umas palavras para o Orçamento de 2025. Umas palavras de desilusão, pois a proposta de Orçamento para 2025 apresenta uma forte orientação intervencionista, marcada pela costumeira e descompensada redistribuição e uma gestão económica com características típicas de políticas de cunho centralizador. Este orçamento prioriza o controlo estatal, a expansão do sector público, e um modelo de financiamento que levanta preocupações quanto à sua sustentabilidade a longo prazo, comprometendo a liberdade de iniciativa e a eficiência na utilização dos recursos.

Percebe-se, desde a primeira linha, que há uma concentração substancial de poder nas mãos do Governo Regional, manifestada pelas disposições que permitem alterações nas dotações orçamentais aprovadas, bem como a cativação de verbas e a redefinição de prioridades sem grandes limitações. O Governo Regional autoatribui-se de ampla autoridade para gerir operações de endividamento, emissão de garantias e alocação de recursos, comprometendo a autonomia. Este comportamento centralizador reflete uma visão socialista onde o Estado assume a liderança sob o pretexto de promover o “bem comum”, mas que, na prática, reduz a transparência e permite a manipulação dos recursos públicos em prol de interesses político-partidários.