O trabalho que sustenta vidas e não é reconhecido
“Cuidar”. Um verbo simples, forte e essencial. Não deveria ser sinónimo de peso, negligência ou invisibilidade, mas, para milhões de cuidadores em Portugal, Angola, Moçambique e no mundo, esta é a realidade. Em hospitais, clínicas e lares, estas pessoas – muitas vezes informais, mal remuneradas ou até mesmo não remuneradas – dedicam as suas vidas a quem necessita de ajuda. São o amparo dos frágeis, o sorriso para os doentes e, frequentemente, aqueles que choram sozinhos.
Vivemos tempos em que o ato de cuidar se tornou um paradoxo. É indispensável e, ao mesmo tempo, marginalizado. Cuidadores informais, como familiares que assumem a responsabilidade de cuidar de parentes acamados, raramente têm acesso a direitos trabalhistas ou apoios sociais. Profissionais que atuam de forma independente acabam, muitas vezes, por desempenhar o papel de enfermeiros, sem, no entanto, obter o devido reconhecimento formal. A informalidade é um manto que os cobre e os silencia.
Gilbert F. Houngbo, diretor-geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sublinha este problema ao destacar que a forma como o cuidado é organizado no mundo reforça as desigualdades sociais e de género. A recente Resolução da OIT sobre Trabalho Decente e Economia do Cuidado exige mudanças estruturais: mais políticas públicas que combatam desigualdades, removam barreiras à inclusão de mulheres no mercado de trabalho e melhorem as condições de todos os trabalhadores do setor.
Em Portugal, mais de 800 mil pessoas desempenham funções de cuidadores informais, com cerca de 62% a reportar dificuldades financeiras graves devido à falta de apoios. Em Angola e Moçambique, a situação é ainda mais crítica. Dados recentes indicam que, em Angola, cerca de 2,5 milhões de mulheres estão fora do mercado de trabalho devido a responsabilidades de cuidado. Em Moçambique, estima-se que mais de 1,8 milhões de pessoas assumem o cuidado de familiares ou dependentes, a maioria em contextos de extrema pobreza e sem qualquer suporte institucional.
O problema é global, mas com nuances locais. No mundo lusófono, os cuidadores familiares enfrentam desafios adicionais devido à fragilidade das redes de proteção social. São mulheres e homens que abandonam empregos, projetos e sonhos para cuidar de filhos, pais ou cônjuges sem apoio financeiro ou psicológico adequado.
Em hospitais públicos, em particular em Angola e Moçambique, é comum ver familiares a desempenhar funções de cuidadores, muitas vezes sem formação. Estes cuidadores enfrentam jornadas extenuantes, lidando com a escassez de recursos e, frequentemente, com a falta de reconhecimento.
A resolução da OIT traça um caminho: investir em políticas de cuidado, assegurar formação e condições dignas para os trabalhadores formais e informais do setor. É uma questão de justiça social, mas também de humanidade.
Porque cuidar é, no fundo, um ato de amor. Mas amor, por si só, não paga as contas nem cura o cansaço. É hora de dar voz e visibilidade aos invisíveis que sustentam vidas em Portugal, Angola, Moçambique e em qualquer canto do mundo. Que um dia, cuidar seja conjugado com dignidade.
Gregório José