A memória das palavras...

Folheando alguns jornais antigos que tinha em casa para limpar os vidros, deparei-me com um título amarelado pelo tempo: “A esperança é o que nos resta”.

Era de um período em que tudo parecia incerto, com greves, crises e manifestações a tomar conta das ruas. O curioso é que, embora a frase fosse de há mais de três décadas, parecia tão atual.

Fiquei a pensar sobre o que realmente resta a uma sociedade que luta para se manter informada no meio do caos.

Nos tempos atuais, as palavras que recebemos chegam distorcidas, embaladas em algoritmos e servidas numa bandeja de likes e partilhas. A verdade, coitada, muitas vezes nem é convidada para esta festa.

Lembro-me do meu pai contar histórias que ouviu do pai dele, memórias da guerra (1.ª e 2.ª Guerras Mundiais), da política, de tempos em que confiar ou desconfiar de alguém dependia de um olhar e não de um clique.

Hoje, quando alguém me conta uma história, a primeira coisa que faço é ir ao google.

Perdemos a conexão com o fio que amarra o passado ao presente.

Mas a memória não é apenas sobre factos ou documentos. É também sobre sensações.

Ao reler aquele jornal antigo, senti o peso da esperança de outra geração, que não sabia que, mesmo sobrevivendo às tempestades, enfrentaria outras. E aqui estamos nós, todos os dias, a tentar filtrar o real no meio de uma enxurrada de “fake news”.

Talvez a resposta esteja em como escolhemos lidar com a memória, não apenas a guardar o que nos interessa, mas também partilhar o que realmente importa.

É lembrar que as palavras têm peso, que a verdade não pode ser moldada como um pedaço de barro e que, por mais que os tempos mudem, a essência das coisas permanece.

E assim, guardei o jornal novamente (já não foi para limpar os vidros) com o mesmo cuidado com que as gerações anteriores guardaram as suas histórias.

Porque, no meio de tanta desinformação, talvez o que nos reste – ainda hoje – seja a esperança.

Tenho dito!

José Augusto de Sousa Martins