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Nadal fez-se 'rei' na terra batida, mas a sua lenda no ténis vai mais além

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Foto Jorge Zapata  

A terra batida perdeu hoje o seu rei, com Rafael Nadal a despedir-se do ténis com recordes 'insuperáveis', mas sobretudo um legado de resiliência física e mental e valores exemplares.

Falar de Nadal é falar de terra batida, mas seria redutor resumir mais de duas décadas de excelência em todas as superfícies com a legenda "Rei do pó de tijolo". 'Rafa' é o sorriso de menino e a humildade nunca perdida conjugadas no corpo -- que tantas vezes o 'traiu' -- de um lutador incansável, para quem a palavra 'desistir' nunca fez sentido.

Nascido em Manacor em 03 de junho de 1986, o seu destino começou a ser forjado aos quatro anos, quando iniciou o seu percurso, sob a orientação do tio Toni Nadal. Apesar de ter experimentado o futebol, por influência de outro tio, o internacional espanhol e 'estrela' do FC Barcelona Miguel Ángel Nadal, e de até se ter destacado nas camadas jovens, foi no ténis que o pequeno Rafael encontrou a sua paixão.

Esquerdino por opção -- é destro no dia-a-dia -, cedo se percebeu o seu enorme potencial, já que subiu a profissional com apenas 15 anos e, no ano seguinte, tornou-se no mais jovem tenista a vencer um encontro no circuito ATP.

Mas seria em 2005, já depois de ter conquistado o primeiro título na Taça Davis, a competição que escolheu para se despedir, que o seu legado como melhor tenista de sempre na terra batida e um dos melhores de sempre da modalidade se iniciaria: foi em 05 de junho de 2005, com 19 anos acabados de fazer, que o maiorquino, vestido de corsários, manga cava e fita na cabeça, trincou pela primeira vez a Taça dos Mosqueteiros, após ter derrotado, nas meias-finais, o então número um mundial, Roger Federer.

Essa imagem tornar-se-ia um clássico do 'verão desportivo', repetindo-se outras 13 vezes, a última das quais em 2022, quando festejou a conquista do 22.º título do Grand Slam, um máximo superado desde então pelo sérvio Novak Djokovic.

Podem não ser seus os recordes mais sonantes do ténis mundial, repartidos sobretudo entre 'Djoko' e o seu amigo Federer, mas Nadal despede-se com números dificilmente ultrapassáveis: além dos 14 títulos em Roland Garros, que o tornam no único tenista masculino ou feminino a vencer mais do que 11 vezes o mesmo Grand Slam, é também o mais vitorioso nos Masters 1.000 de Monte Carlo (11) e Roma (10), além de no torneio de Barcelona (12).

Aos inevitáveis recordes na terra batida, onde somou o maior número de títulos (63) -- perdeu apenas nove finais, diante de cinco jogadores, o último dos quais o português Nuno Borges - e a maior série de vitórias consecutivas (81), a mais longa numa única superfície na Era Open, junta outros como os de mais jovem a completar tanto o Grand Slam de carreira como o 'Golden Slam', com apenas 24 anos, três meses e 10 dias, ou de jogador mais triunfador diante de líderes do ranking mundial (23).

Apesar dos recorrentes e desgastantes problemas físicos, nomeadamente nos joelhos, no pé esquerdo ou nas costas, que superou com uma perseverança e crença inigualáveis, o campeão olímpico de singulares em Pequim2008, e portador da tocha olímpica na Cerimónia de Abertura de Paris2024, conquistou pelo menos um título durante 19 épocas consecutivas (2004-2022), um feito dificilmente igualável.

"É evidente que, relativamente a todos os meus rivais, perdi mais opções de ganhar Grand Slams. Nunca penso 'e se tivesse feito' ou 'e se não tivesse tido [as lesões]'. Aconteceu assim e, apesar disso, tive uma carreira que nunca imaginei e estou mais do que contente", desvalorizou numa entrevista recente.

Apesar das agruras, o também quatro vezes campeão do Open dos Estados Unidos (2010, 2013, 2017 e 2019), duas de Wimbledon (2008 e 2010) e do Open da Austrália (2009 e 2022) acredita ter aprendido mais com "os êxitos do que com os fracassos".

"Tentei sempre fazer as coisas como as sentia e com boa intenção. Errei? Tomei decisões [quanto a lesões] que, depois, me levaram a ter mais problemas? Sim", concedeu o lendário desportista espanhol, que, finalmente 'derrotado' pelo corpo, só lamenta não poder jogar mais tempo para que o filho Rafa Júnior, de apenas dois anos, possa ter recordações dele no court.

Homem de família (e de rotinas compulsivas) e amante do mar, este ferrenho adepto do Real Madrid foi sempre um exemplo de 'fair-play' -- nunca partiu uma raquete ao longo de mais de duas décadas de carreira -, mas também de civismo e sentido de comunidade, como demonstram quer a ajuda que deu à população maiorquina aquando das cheias de 2018, nas quais foi mais um a limpar lama das ruas, quer a construção de uma gigantesca academia em Manacor, que emprega 500 pessoas e alberga o sonho de muitas crianças e jovens.

No momento em que Nadal se despede do ténis em Málaga, durante a Taça Davis, vem à memória aquela imagem terna que protagonizou com Roger Federer, no adeus do suíço, e que eternizou uma das mais belas rivalidades da história do desporto, transformada agora "numa amizade para a vida", assente "em personalidades genuínas e valores comuns", como descreveu o helvético.

"Sempre disse que o Roger inspirou milhões de pessoas em todo o mundo, eu incluído. Acredito que a nossa rivalidade elevou a fasquia em termos de uma rivalidade saudável no desporto", salientou o maiorquino, numa entrevista comum com Federer, em que o seu grande adversário e amigo reconheceu que nenhum dos dois teria atingido o nível a que chegou sem o outro.