Os mil dias da guerra Russia-Ucrânia
Mil dias de guerra. Mil dias de vidas ceifadas, de cidades devastadas e de uma ferida aberta no coração da Europa. O conflito entre Rússia e Ucrânia ultrapassa, há tempos, a esfera de uma disputa regional e se converte em uma tragédia global. E, no entanto, o que fazem os Estados Unidos, a maior potência do mundo? Jogam gasolina na fogueira.
A decisão, ainda não confirmada oficialmente pela Casa Branca, de fornecer à Ucrânia os temíveis mísseis ATACMS é, no mínimo, uma aposta cega em um jogo de consequências imprevisíveis. Não se trata apenas de armamento; trata-se de uma escalada que transforma palavras como “diplomacia” e “paz” em ecos distantes de uma utopia perdida.
Joe Biden, com a sua retórica cuidadosamente ensaiada, fala de “soberania” e “integridade territorial” enquanto autoriza — direta ou indiretamente — o uso de armamentos que poderiam atingir o território russo. Não se engane: esse é um passo perigoso para um confronto direto entre duas potências nucleares. A Rússia, por sua vez, não hesita em brandir a ameaça do apocalipse atómico, uma chantagem velada que nos lembra, com brutalidade, que o botão nuclear está mais próximo do que gostaríamos de admitir.
E para quê? Especialistas já alertaram que o envio desses mísseis, embora estratégico, dificilmente mudará o rumo da guerra. Então, por que insistir em prolongar o sofrimento? Por que alimentar uma máquina de destruição que já consumiu tanto? Talvez a resposta esteja em um velho hábito norte-americano: o de tratar o mundo como um tabuleiro de xadrez, onde outros países são peças descartáveis em nome de interesses geopolíticos.
A postura dos EUA, assim como a da Rússia, não é apenas irresponsável; é profundamente cínica. Enquanto Washington se veste de defensor da liberdade, Moscou se coloca como vítima de uma conspiração ocidental. Ambos ignoram o custo humano dessa guerra interminável, em que o povo ucraniano é quem paga o preço mais alto.
O presidente Zelensky, em sua determinação, celebra cada novo envio de armamentos como uma vitória, mas é preciso perguntar: vitória para quem? A reconstrução da Ucrânia será uma tarefa de gerações. Seu povo, exausto e despedaçado, merece mais do que ser um peão em um jogo de titãs.
Chegou a hora de os Estados Unidos olharem para além de sua narrativa de excepcionalismo e reconhecerem sua parcela de responsabilidade. É fácil culpar a Rússia — e, claro, Moscou tem sua culpa monumental. Mas apoiar uma guerra eterna com armas e promessas vazias não é uma solução; é uma traição aos princípios de humanidade e bom senso.
Paz não é alcançada com mísseis ou com palavras carregadas de pompa. Paz é construída com diálogo, concessões difíceis e coragem moral. E isso, parece, anda em falta tanto em Washington quanto em Moscou.
O que o mundo espera — o que ele precisa — é de líderes que escolham construir pontes em vez de cavar trincheiras. Antes que a próxima decisão apressada torne os mil dias de guerra um prenúncio de mil anos de caos.
Gregório José