Haja noção
A inesperada – mas mais do que justificada – moção de censura contra o Governo Regional fez soar as campainhas no interior da generalidade dos partidos políticos, dando lugar a declarações, movimentações e manobras de todos os tipos e, por vezes, surpreendentes.
Na verdade, já se fizeram (e desfizeram) governos alternativos, já se adiantaram acordos, alianças e geringonças e já se definiram estratégias que visam, essencialmente, garantir que tudo ficará na mesma, e, de preferência, com os mesmos protagonistas e com os mesmos hábitos.
E se a tradicional/falsa ameaça de que sem orçamento regional, será o dilúvio, não podia faltar, desta vez o oportunismo e o tacticismo chegaram ao ponto de se fazer tábua rasa do Regimento da Assembleia Legislativa, decidindo-se, sem o voto favorável da maioria absoluta dos Deputados, um adiamento que viola, de forma ostensiva, normas claras da “constituição” interna deste órgão (que é “só” o expoente máximo da Autonomia).
Ou seja, se a moralidade e a ética já se encontravam suspensas desde a tomada de posse de um Governo enxameado de suspeitas, entretanto agravadas, de práticas criminosas, agora também se suspenderam a Democracia e a Constituição.
Tudo por interesses meramente pessoais e/ou partidários.
E onde fica o que realmente interessa? Onde ficam os interesses da Madeira e dos Madeirenses?
Não seria de aproveitar esta nova crise para perceber as causas da instabilidade política que temos vivido? Para se avaliar porque é que a sociedade Madeirense se encontra tão fracturada? Para nos questionarmos sobre as razões que levaram ao descrédito e à desvalorização crescentes da Autonomia? Para compreender por que motivos é que tanta (alegada) competência governativa, e tanto sucesso económico, não se têm traduzido na melhoria da qualidade de vida dos Madeirenses, nem têm contribuído para a resolução dos seus principais problemas?
É que, pior que ter 3 eleições quase seguidas, é não aproveitar as oportunidades para discutir e construir, de forma séria e altruísta, as soluções que a Madeira necessita. Não encarar essas eleições e esta nova crise política como uma oportunidade para (re)colocar os partidos e os políticos ao serviço dos Madeirenses, unindo-os em torno de um projecto íntegro, ambicioso e motivador, capaz de restaurar e alavancar as potencialidades da Autonomia.
Se assim não for, e se se perder mais uma oportunidade, a moção de censura e o impasse gerado pela mesma não terão servido para nada, e não terão passado de política comezinha. A política na qual a maioria dos eleitores já não se revê, nem acredita.
O que está em causa não pode ser apenas a sobrevivência política de fulano, beltrano ou sicrano, nem a manutenção ou a conquista do poder e de certos privilégios por determinados partidos e/ou agentes políticos. É, e tem que ser, muito mais que isto.
Com moção, ou sem moção, com orçamento agora, ou daqui a uns meses, e com ou sem eleições antecipadas, há que ter noção daquilo que realmente interessa.