Adiamento da Moção pode ser decretado ilegal?
Constitucionalista Vitalino Canas entende não ser possível averiguar a legalidade ou irregularidade de actos ou decisões políticas.
Uma vez que resulta de decisão política, o constitucionalista Vitalino Canas não vê forma de anular o controverso adiamento da discussão e consequente votação da Moção de Censura apresentada pelo Chega (CH) ao Governo Regional da Madeira. Na opinião deste antigo deputado do PS a única possibilidade para alterar o que foi decidido em Conferência de Líderes e posteriormente ratificado em plenário, só mesmo por nova decisão de uma maioria parlamentar.
“Do ponto de vista jurídico é isto que importa. A Constituição e o Estatuto [Político-Administrativo da RAM] na senda da Constituição não definem um prazo máximo para apreciação e votação, definem um prazo mínimo antes do qual, antes do transcurso do qual não é possível fazer a apreciação. No caso regional, 7 dias, no caso da República, 48 horas. Depois disso, pode ser feito em qualquer altura, mas a Constituição e o Estatuto não dizem qual é que é o limite para o debate”, observa.
Conclusão que leva o Professor universitário e advogado a apontar também para a impossibilidade de se julgar a legalidade ou irregularidade de actos ou decisões políticas.
“Mesmo que haja quem entenda que há aqui uma irregularidade por violação do Regimento da Assembleia Regional, considero não haver maneira de isso ser enfrentado porque não há nenhum mecanismo constitucional ou estatuto que permita enfrentar isso. É uma decisão política. Na Constituição portuguesa, normalmente não há maneira de escrutínio de actos políticos ou decisões políticas. Portanto, não há possibilidade de averiguar a legalidade ou irregularidade de actos políticos ou decisões políticas. Há possibilidade de averiguar a legalidade de normas jurídicas, mas não de actos políticos individuais e concretos”, explica. Ademais, mesmo que houvesse alguma forma de invalidar o adiamento decidido, “também não haveria nenhuma sanção, não está prevista na lei e na Constituição, nenhuma sanção para decisões irregulares de uma Conferência de Líderes”, sustenta.
Esta quinta-feira, 14 de Novembro, o parlamento regional ratificou a decisão da conferência de representantes de adiar a discussão da moção de censura do CH para 17 de Dezembro. Depois de uma longa troca de dúvidas jurídicas, a proposta acabou aprovada com os votos a favor de PSD e de 1 deputado do CDS, votos contra de JPP, CH, IL e PAN e abstenção do PS e do presidente da ALM, José Manuel Rodrigues (CDS). Decisão que tem motivado polémica e muitas dúvidas quanto à legalidade do adiamento e com o CH a pedir a intervenção do Presidente da República e a ameaçar recorrer à justiça por contestar o adiamento da Moção de Censura.
Foi perante este enquadramento da mais recente polémica a ‘abalar’ o Parlamento Regional que o DIÁRIO procurou explicações acerca da possibilidade de vir a ser decretada ilegal a decisão da Conferência de Líderes e até onde poderá ir a intervenção do Presidente da República neste processo.
“Aquilo que a Constituição estabelece para o caso do Governo da República é um prazo de 48 horas de intervalo, que é um prazo que visa proteger, digamos, o governo de decisões precipitadas. Eu acho que é o mesmo intuito que está subjacente também ao que está no Estatuto Regional da Madeira. Ou seja, haver um intervalo, no caso de sete dias, entre a apresentação e depois a apreciação e votação para haver maior reflexão é uma forma de racionalização, como nós questionamos dizer no Direito Constitucional na Ciência Política, é uma forma de racionalização, embora de reduzido o efeito, mas ainda assim é uma forma de racionalização do relacionamento do sistema político no sentido de proteger os governos”, começa por apontar. Chama contudo a atenção que “a Constituição e o Estatuto Regional não estabelecem um prazo máximo para o debate. Estabelecem é um intervalo mínimo que tem de ser respeitado”, aponta. No caso do Regimento da Assembleia Regional, “interpreta-se a coisa de maneira a fazer o debate logo no dia a seguir de terminar o tal intervalo – 7 dias - mas isso não é feito por obrigação nem constitucional nem estatutária. É uma orientação que prevaleceu quando elaboraram o Regimento, neste caso da Assembleia Regional. Não resulta de uma obrigação constitucional ou de uma obrigação, digamos, estatutária. Teoricamente em vez de terem posto que o debate iniciar-se-á no oitavo dia parlamentar subsequente à apresentação da moção de censura, poderiam ter posto no décimo dia ou no vigésimo e por aí adiante. É uma opção política de quem aprova o regimento que não está condicionada pela Constituição ou pelo Estatuto Orgânico”, explica.
Na interpretação de Vitalino Canas, uma vez que nem a Constituição, nem o Estatuto estabelecem, em contrapartida, um prazo máximo para que se faça a discussão de moções de censura, a mesma deve decorrer de uma interpretação de razoabilidade, “mas em teoria uma maioria parlamentar pode obstar a essa discussão eternamente”, ou seja, no limite uma moção de censura até pode nunca chegar a ser debatida. “Sim, isso é possível. Não é razoável pensar que isso aconteça, mas teoricamente seria possível”, admite.
Quanto ao poder de intervenção do presidente da República para ‘resolver’ esta polémica, apesar de não ver razão que o justifique, adverte que Marcelo Rebelo de Sousa tem sempre o poder da ‘bomba atómica’: a dissolução da Assembleia.
“O que podia suceder é o Presidente da República fazer uma leitura da situação e entender que há aí uma situação grave do ponto de vista político e recorrer à ‘bomba atómica’ que é aquilo que ele dispõe, que é a dissolução da Assembleia, mas não me parece também que seja uma situação suficientemente grave para isso”, ressalva.
“Se fosse uma situação de obstaculização do funcionamento das instituições, do funcionamento regular, enfim, não é que isso seja necessário para proceder à dissolução, mas se o Presidente da República entende-se que há aqui uma situação do ponto de vista político grave, poderia avançar por aí, mas não estou a ver o Presidente fazer isso de utilizar a ‘bomba atómica’ para um pequeno conflito, mas isso é já uma apreciação política minha, não é uma apreciação jurídica”, concretiza.