Foi ilegal o adiamento da discussão da moção de censura?
O partido Chega, liderado por Miguel Castro, apresentou uma moção de censura ao Governo, tendo sido agendada inicialmente a discussão e votação para a próxima segunda-feira, dia 18 de Novembro, cumprindo os prazos definidos para este fim. Mas ontem na Conferência de Representantes dos Partidos foi aprovado um requerimento do PSD para adiar a discussão para depois do debate e votação do Orçamento Regional para 2025, com os votos favoráveis do PSD, PS, CDS e PAN e a abstenção do JPP. O Chega votou contra e reclama agora da legalidade da decisão que remeteu a moção de censura para 17 de Dezembro, um mês depois da data inicial. Hoje, face à contestação do Chega e às dúvidas assumidas pelos próprios partidos que tomaram a decisão de adiar, o presidente da Assembleia Legislativa Regional, José Manuel Rodrigues, optou por colocar amanhã à votação em plenário esse adiamento.
Para analisar a legalidade da decisão tomada terça-feira na Conferência de Representantes de empurrar para Dezembro a moção de censura são incontornáveis dois documentos: O Regimento da Assembleia Legislativa da Madeira e o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira. O primeiro é uma resolução do próprio parlamento, tem as regras de funcionamento da casa da democracia na Madeira. O segundo é a lei da Assembleia da República que desenvolve, explicita e concretiza as normas constitucionais que regem a autonomia regional. Este último sobrepõe-se ao Regimento da Assembleia Legislativa da Madeira.
Em relação ao adiamento, no capítulo da moção de censura, o Regimento esclarece na sua Secção III, no artigo 200.º, que quando apresentada por um partido, o debate iniciar-se-á “no oitavo dia parlamentar subsequente à apresentação da moção de censura, não pode exceder um dia e é deliberado e organizado pela Conferência dos Representantes dos Partidos”. Já o Estatuto Político-Administrativo determina no seu artigo 61.º que “as moções de censura não podem ser apreciadas antes de decorridos sete dias após a sua apresentação”. Ou seja: não antes de sete dias, e com início no oitavo, se juntarmos os dois documentos. Diz ainda o Regimento que encerrado o debate, “procede-se de seguida e na mesma reunião, à votação da moção de censura”. Se aprovada, esta moção tem como consequência a demissão do Governo Regional, como previsto no artigo 62.º do Estatuto Político-Administrativo.
Por um lado, a Conferência dos Representantes dos Partidos não tem poderes para alterar o Regimento, as alterações são aprovadas em plenário. Ao votar o adiamento da discussão e votação na passada terça-feira na Comissão, os representantes foram contra o definido no Regimento, o que à partida configura uma ilegalidade. Ainda assim, a decisão até poderia não ser assim entendida se houvesse unanimidade, uma vez que está subjacente a regra de que a unanimidade faz o Regimento. Mas não houve, o Chega votou contra. Por outro lado, a decisão de terça-feira não vai contra o Estatuto Político-Administrativo na questão dos prazos.
Tanto o Regimento como o Estatuto não referem o que acontece caso não seja cumprido o determinado. Em matéria de parlamento as sanções são políticas, são do eleitor, se for o caso, quando chamado às urnas.
A questão da legalidade da decisão é complexa e já levou o presidente da Assembleia a agendar como referido a votação em plenário. Há um entendimento - embora novamente passível de discussão - de que a votação no hemiciclo poderá dar essa legalidade, uma vez que o Regimento, que foi ferido, é ele próprio produto do parlamento e pode ser alterado por este. Esta poderá ser entendida como uma forma de legitimar a decisão de adiar tomada na passada terça-feira, mesmo que amanhã volte a ser aprovada apenas por maioria. Tendo em conta que a intenção de voto dos partidos expressa na comissão de representantes deverá ser mantida, o acto, em termos práticos, terá o mesmo desfecho, o adiamento.
Face ao aqui exposto, se olharmos ao Regimento houve efectivamente uma decisão à revelia do determinado que configura uma ilegalidade. Se olharmos à luz do Estatuto, este foi respeitado. Avaliamos como imprecisa a existência de ilegalidade no adiamento da moção de censura apresentada pelo Chega.