Só o povo salva o povo
O Banco Mundial estima que, em 2050, existirão cerca de 216 milhões de refugiados climáticos ao redor do mundo. Neste momento, a cidade de Baku, capital do Azerbaijão, acolhe a Conferência das Partes (COP) sobre as Mudanças Climáticas, organizada pelas Nações Unidas, para propor medidas que mitiguem o impacto dessas mudanças. No entanto, ainda existe um aspeto relevante que não alcança consenso entre os líderes mundiais: o termo “refugiados climáticos”. O não reconhecimento deste estatuto faz com que pessoas que deixam os seus países de origem devido a causas como inundações, secas ou outros desastres naturais não sejam protegidas de forma unânime no âmbito internacional. Inclusive, o Pacto de Migração e Asilo da União Europeia inclui apenas uma breve referência sobre este tema e não prevê nenhuma medida de proteção específica.
Mas por quê? Reconhecer o estatuto de refugiados climáticos poderia gerar uma preocupação global e uma sensação de catástrofe, o que levaria as autoridades a terem de enfrentar esta questão com medidas concretas, algo para o qual não existe uma clara vontade política.
São recentes as imagens das cheias na cidade de Valência, na Espanha, nas quais se perderam muitas vidas humanas e sofreram-se danos materiais incalculáveis. Os afetados pela intempérie adotaram o lema “só o povo salva o povo”, em referência à inação das autoridades responsáveis e à mobilização de cidadãos anónimos que não ficaram de braços cruzados e andaram quilómetros com pás, vassouras e comida para ajudar as vítimas.
A nossa ilha também tem sido afetada por fenómenos naturais, como as enxurradas de 20 de fevereiro de 2010. Chuvas torrenciais que provocaram 47 mortos, 600 desalojados e 250 feridos e mais de mil milhões em prejuízos. Foi uma dor imensa para todos nós ver os nossos conterrâneos falecer e a nossa ilha devastada. Recordo também todos os madeirenses que faleceram na Tragédia de Vargas, em dezembro de 1999, que arrasou o litoral venezuelano.
Temos de estar conscientes de que as mudanças climáticas não afetam apenas territórios distantes, mas estão aqui a bater à nossa porta, e precisamos agir para não continuarmos a perder vidas humanas. Como? As boas intenções têm de sair do papel. É urgente passar a ação. As autoridades competentes devem assumir a responsabilidade, e todos nós podemos contribuir com o nosso grão de areia, seja através da reciclagem adequada ou por meio de campanhas de limpeza das nossas costas e montanhas.
Talvez só mesmo o povo possa salvar o povo. No entanto, lembremos que o povo pode ter vontade e força, mas não o poder; por isso, um compromisso por parte dos governantes mundiais é fundamental. Veremos o que a declaração da COP trará de novo a uma realidade que continua a devastar vidas.