Albuquerque garantiu que "as pessoas que estão ao serviço público não são descartáveis". Sempre foi assim?
Miguel Albuquerque disse ontem, na conferência de imprensa que deu na sede do PSD-M, no intervalo da comissão política, que nenhum secretário regional lhe “pediu para sair e que todos são da sua total confiança” e acrescentou que “o PSD tem um princípio fundamental: as pessoas que estão ao serviço público não são descartáveis, ou seja não se jogam-se para o ‘lixo’ depois servirem a causa pública”. Chamou de “princípio da decência”. Mais um argumento que na sua opinião deve prevalecer sobre os “expedientes pragmáticos na obtenção do poder a qualquer custo”.
Será que a prática tem sido seguida à risca como afirmou o líder do PSD-M? E será que poderá garantir que nenhum secretário pedirá demissão?
Recuemos a 30 de Setembro de 2023. Nesse dia a capa do DIÁRIO trazia a foto do presidente do Governo tendo a seu lado Humberto Vasconcelos. A letras garrafais lia-se: “Humberto passa de convidado a dispensado em 48 horas”.
A notícia era contada nas páginas seguintes dando conta que o secretário da Agricultura chegou a ser informado de que continuaria no lugar, mas, em apenas dois dias, foi dispensado. E para o seu lugar era divulgado o nome de Rafaela Fernandes.
Para muitos o tutelar da pasta do sector primário fora literalmente descartado, embora o chefe do executivo tivesse na mesma altura convidado o colega para assumir um outro lugar. Uma hipótese foi o conselho da administração dos Horários do Funchal em alternativa à primeira recusa que recebera de não querer ir para Bruxelas, como representante da Região na Comissão Europeia.
Humberto não foi, porém semanas mais tarde, Rita Andrade que tinha sido secretária dos Assuntos Sociais estava de malas aviadas para a Bélgica para ocupar o lugar de Rui Gonçalves, ex-secretário regional das Finanças que viria para a Região. Desde 1 de Março ocupa o cargo de director regional dos Transportes e da Mobilidade Terrestre. Em bom rigor Albuquerque descartou estas figuras mas tentou sempre encontrar alternativas de colocação.
Vamos a outro caso. O de António Trindade. Até 3 de Abril chegou a ser adjunto da secretária regional da Agricultura, Ambiente e Pescas, no entanto foi exonerado das funções por, ao que disse ao DIÁRIO, ter “apoiado a candidatura de Manuel António Correia”. A partir desse momento voltou ao quadro de secretaria como técnico superior. A polémica ganhava cor.
A juntar esta saída do gabinete de Rafaela Fernandes juntou-se a do chefe de gabinete. Altino Sousa de Freitas exercera as mesmas funções no tempo de Susana Prada voltou à base e actualmente estará como técnico superior da secretaria.
Há ainda a saída de Natércia Xavier que Julho deste ano exercia o cargo de directora regional da Cultura. A técnica passou a trabalhar nas Sociedades de Desenvolvimento exercendo funções discretas. Para o seu lugar foi nomeado Medeiros Gaspar que pediu demissão de chefe de gabinete de Miguel Albuquerque. Novamente o chefe do executivo tentou salvaguardar prejuízos.
E no Sesaram? Quando aparentemente tudo estava tranquilo, a vice-presidente, Filipa Freitas foi dispensada pelo secretário regional de Saúde. Porque está no quadro da secretária regional de Agricultura passou também a ter funções discretas pelo menos com muito menor visibilidade que tinha.
Estes são casos recentes.
Vamos a outros. À Ribeira Brava. Em 2017 tudo apontava que Ricardo Nascimento seria candidato à Câmara. A opção política de Albuquerque recaiu em Nivalda Gonçalves. O autarca lamentou e até mostrou a “mágoa” decidindo criar um movimento independente. E ganhou as eleições autárquicas. As pazes estão feitas com o presidente do PSD-M apoiando o edil nas eleições seguintes. Não bastasse convidou-o para integrar a lista nas regionais na perspectiva de oferecer um lugar na Assembleia quando o mandato terminar. O último por força da lei. E para onde iria Nascimento se não tivesse sido eleito ao parlamento? Provavelmente para a casa de partida, o mesmo é dizer para a escola do Campanário onde dava aulas.
Este princípio é aplicado a outros presidentes de Câmara quando estão no limite de mandatos. A retórica ou a justificação interna é de querer capitalizar o potencial acumulado dos autarcas, mas há quem olhe para esta lógica como forma de brindar os presidentes com ‘tachos’. De resto um modelo seguido na liderança de Alberto João Jardim que ainda assim teve excepções. O de Humberto Vasconcelos foi o mais badalado.
O economista foi presidente de Câmara de São Vicente, indicado por Jardim, mas cumpriu apenas um mandato saindo em rota de colisão com o então líder do PSD-M. Sem margem para desculpa, o autarca voltou ao privado. Voltaria a ser repescado por Albuquerque quando decidiu ser candidato à liderança do partido.
Face o exposto e embora tenha na maioria dos casos a liderança do PSD tenha seguido o “princípio da decência” tentando salvaguardar e proteger interesses dos ‘seus’, existem excepções à regra que o próprio Miguel Albuquerque revelou estar instituída sendo certo que não consegue garantir que ninguém sai do governo por manifesta e livre desejo o que poderá acontecer depois do levantamento da imunidade parlamentar dos secretários regionais das Finanças, Rogério Gouveia, Saúde e Protecção Civil, Pedro Ramos, e Equipamentos e Infraestruturas, Pedro Fino, constituídos arguidos no âmbito da operação "AB INITIO", sobre suspeitas de criminalidade económica e financeira.