Caça às Bruxas e os Femicídios
A história da Humanidade está marcada por episódios de injustiça e violência que refletem as tensões sociais e as dinâmicas de poder de cada época. Na Idade Média, a caça às bruxas simbolizava, sobretudo, a ansiedade social e o controlo sobre as mulheres, e não apenas as crenças enraizadas no sobrenatural, em Deus e no Diabo, no Céu e no Inferno. Este fenómeno, que culminou em milhares de mulheres sendo perseguidas, torturadas e executadas sob acusação de bruxaria, revela como a misoginia e o medo do desconhecido podem provocar atrocidades em massa. Hoje, num mundo supostamente mais evoluído em termos de direitos humanos e igualdade de género, ainda nos deparamos com situações deploráveis.
No passado dia 30 de outubro, em Machico, uma mulher de 44 anos foi assassinada pelo marido, com um golpe de arma branca no pescoço. Foi encontrada pelo filho ainda com vida, mas acabou por não resistir. Infelizmente, o flagelo dos femicídios continua e está enraizado na mesma mentalidade de controlo e desumanização do passado.
Na Idade Média, a caça às bruxas era frequentemente alimentada pela crença de que as mulheres, por natureza, estavam mais próximas do mal. A Igreja e a sociedade alegavam que as bruxas eram responsáveis por desastres naturais, doenças e problemas económicos. Desta forma, quando ocorria uma crise, a figura da mulher como “mestra do mal” tornava-se um alvo conveniente para canalizar frustrações sociais. Os cruéis tribunais da Inquisição reforçaram a ideia de que a mulher tinha de ser dominada e controlada.
Por outro lado, hoje em dia, os femicídios são o resultado de uma cultura que, embora tenha avançado em muitos aspetos, ainda carrega vestígios dessa mesma mentalidade. A violência doméstica reflete um profundo desrespeito pela vida e pela autonomia da mulher. Assim como na Idade Média, a mulher continua a ser vista como propriedade, sujeita a um ciclo de opressão que é sustentado por normas sociais, machismo e a impunidade muitas vezes presente no sistema judicial.
É alarmante que, em pleno século XXI, a luta pela igualdade de género ainda envolva o combate à violência extrema e à desvalorização das mulheres. Dados estatísticos mundiais mostram que, a cada dia, mulheres são assassinadas por parceiros íntimos, muitas vezes num contexto que poderia ter sido prevenido por políticas públicas eficazes, educação e conscientização. O femicídio não é apenas um crime; é um reflexo de uma sociedade que ainda luta para aceitar plenamente o valor e a igualdade das mulheres.
A ligação entre a caça às bruxas e os femicídios leva-nos a refletir sobre como a sociedade tem vindo a tratar as mulheres em diversos contextos históricos. É essencial que não apenas reconheçamos esses padrões, mas também atuemos para desconstruí-los. A educação e a sensibilização, tanto em relação à História como à atualidade, são ferramentas cruciais na luta contra a misoginia e a violência. Já é hora de rompermos com os ciclos de violência e construirmos um futuro onde todas as vidas sejam valorizadas de igual forma.
Os ecos do passado não devem ditar o nosso presente. Que a história da caça às bruxas sirva como um lembrete de que a opressão feminina nunca é aceitável, e que a luta pela dignidade e pela vida das mulheres deve ser constante e incansável.