Sabia que a Madeira está na 'rota' das gotas frias?
Uma gota fria ou DANA (depressão isolada em níveis elevados da troposfera) ou DINA (em português) foi o fenómeno que afectou Espanha, nomeadamente a região de Valência, onde deixou um rasto de devastação e morte, cuja última contabilidade esta sexta-feira, já somava 205 pessoas encontradas sem vida e, ainda, dezenas de desaparecidos três dias após aquela noite catastrófica de terça-feira.
De acordo com o IPMA, que tem parte de Portugal continental sob aviso amarelo e laranja, condicionando o tempo até amanhã, 2 de Novembro, este é "um fenómeno meteorológico na forma de um sistema de baixa pressão fechado de nível superior", (altitude superior a 5 mil metros) com um núcleo de ar muito frio, que tem um diâmetro aproximado de 500 a 1.000 km. Tendencialmente ocorre em regiões de médias latitudes - de 30° a 45° - e é bastante comum nos países do sul da Europa (Espanha, Portugal, Itália e até Grécia), principalmente no Outono e mais raramente na Primavera. Segundo os entendidos, geralmente provoca chuvas e ventos intensos que podem causar grandes danos e também poder vir associada a granizo e nevões.
"O estado do tempo na Península Ibérica tem sido condicionado por uma depressão, inicialmente isolada nos níveis altos da troposfera e que em Espanha é conhecida pelo acrónimo D.A.N.A - Depresión Aislada en Niveles Altos (depressão isolada em níveis elevados em tradução livre). Em português utiliza-se por vezes a expressão Gota Fria e em inglês Cut Off para este tipo de depressões", procurou explicar o Instituto Português do mar e da Atmosfera.
"A depressão irá ter um deslocamento para oeste afectando mais diretamente Portugal continental a partir da tarde de 30 de Outubro, e até ao final de sexta-feira, dia 1 de Novembro, com aguaceiros, por vezes fortes, em especial nas regiões Centro e Sul, tendo sido já emitidos avisos de precipitação de nível amarelo", revelava o IPMA há dois dias.
Acrescentava que "a situação severa que ocorreu em Espanha está relacionada com fatores locais, mas também com instabilidade elevada, forte conteúdo em vapor de água transportado do mar Mediterrâneo e estacionariedade das bandas de precipitação", sendo certo que "à medida que a depressão se vai deslocando para oeste vão também diminuindo as condições que poderão dar origem a tempo muito severo".
No entanto, o IPMA "aconselha o acompanhamento da emissão de avisos meteorológicos assim como as recomendações das autoridades, já que a previsão da trajetória da depressão tem sempre um grau de incerteza e que pequenas variações da sua posição podem alterar os locais mais afetados".
Essa é a parte mais importante desta nota, uma vez que em Espanha as autoridades são acusadas de não terem avisado, com tempo, os cidadãos e quando o alerta foi dado, era muito tarde e apanhou muita gente na rua, nos carros, em viagem, muitos deles, bloqueados nas apertadas ruas de Valência, como vídeos e fotografias mostraram nos últimos dias.
Madeira na mira
Saiba pois que, na Madeira, estamos susceptíveis a ter eventos deste género, sendo que alguns dos mais graves que ocorreram nos últimos anos podem muito bem estar associados a este DINA.
A foto que damos destaque neste explicador é de uma 'gota fria' que estaria previsto para atingir a Madeira, segundo o portal Meteo.pt, em meados de Março deste ano. "A gota fria está agora a caminho do Arquipélago da Madeira. Os aguaceiros localmente fortes e a trovoada irão manter-se nesta unidade territorial insular portuguesa pelo menos até domingo, 24 de março", previa.
Capitania do Porto do Funchal alerta para agitação marítima e vento forte
A Capitania do Porto do Funchal informa ter recebido do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, a situação geral do estado do tempo (vento e mar) para a orla marítima, até às 18 horas de amanhã, 21 de Março, deixando algumas recomendações à comunidade marítima e à população em geral.
Aviso amarelo para o vento junta-se aos da chuva e do mar
Depois dos avisos amarelo para a precipitação e para a agitação marítima, também o vento soprará suficientemente forte para que o IPMA também coloque a costa Norte da Madeira nessa categoria de alerta à população.
Tanto o IPMA como a Capitania do Porto do Funchal emitiram avisos para esses dias, mas as previsões ficaram-se mesmo sem grandes consequências, apenas muito vento que afectou as operações no Aeroporto da Madeira, alguma chuva e até granizo nos pontos mais altos a 21 de Março. Para a Páscoa deste ano também esteve previsto mau tempo, com destaque para o maior nevão do ano que, entre outras ocorrências, deixou por exemplo dezenas de carros presos no Pico do Areeiro. Mas nada catastrófico.
Mais tarde, em Junho, um mesmo fenómeno foi detectado pelos meteorologistas, sendo que na altura segundo o meteorologista Alfredo Graça do portal Tempo.pt, da rede Meteored, uma gota fria que iria afectar a Península Ibérica em meados de Junho, "começou por atormentar os Açores com grandes inundações entre domingo (2) e segunda-feira (3). Depois, circulou para sudeste rumo à Madeira, deixando tempo instável neste arquipélago na quinta-feira, dia 6".
O tema, aliás, tem sido estudado ao longo dos tempos, um dos quais publicamos aqui se tiver mais interesse na matéria.
"Grandes quantidades de precipitação, presença de solos secos ou artificiais, falta de resposta das autoridades são alguns dos factores que explicam um número tão elevado de vítimas, segundo especialistas consultados pela agência France-Presse (AFP)", escrevia a Agência Lusa esta semana, numa espécie de explicador do que levou à tragédia e que devem servir de alerta para memória futura, que resumimos aqui:
Fenómeno meteorológico de rara violência
De acordo com a agência meteorológica espanhola (Aemet), o equivalente a "um ano de precipitação" caiu em apenas algumas horas em algumas localidades. Em Chiva, a oeste de Valência, foram registados nada menos do que 491 litros de chuva por metro quadrado.
Este dilúvio, ligado a um fenómeno de gota fria, uma depressão isolada em altitude bastante comum nesta altura do ano, atingiu uma proporção tão forte que fez com que vários rios saíssem dos seus leitos e provocasse a formação repentina de enormes torrentes de lama.
Foi um 'cocktail' dramático, segundo Jorge Olcina, professor de climatologia na Universidade de Alicante, que associa este acontecimento ao "aquecimento global".
Quando atingem esta magnitude, as gotas frias podem ter efeitos "muito semelhantes" a um furacão, assinala o investigador.
Solos secos e artificiais
A violência das cheias pode também ser explicada pela presença de solos secos nas zonas afetadas, tendo Espanha atravessado secas intensas nos últimos dois anos. Isto incentivou um fenómeno de escoamento superficial, com a terra a revelar-se incapaz de absorver toda a água.
Além disso, a região de Valência, a mais afetada pelas inundações, é caracterizada por numerosas áreas artificializadas, onde os espaços naturais deram lugar ao betão, totalmente impermeável.
Tem-se registado nos últimos anos uma "urbanização descontrolada e pouco adaptada às características naturais do território", o que hoje amplifica os riscos, sublinha Pablo Aznar, investigador do Observatório Socioeconómico de Cheias e Secas (OBSIS).
Área densamente povoada
A precipitação caiu sobre áreas densamente povoadas e, por isso, afetou automaticamente um grande número de pessoas.
A área metropolitana de Valência, no sudeste de Espanha, onde ocorreu a maioria das mortes, tem 1,87 milhões de habitantes, é a terceira maior cidade do país.
A densidade urbana "é um fator muito importante" para explicar o impacto destas inundações, observa Pablo Aznar, alertando que prevenir as cidades para os desastres climáticos constitui um desafio para as autoridades.
Hora de ponta nas estradas
A maior parte da chuva caiu ao final do dia, numa altura em que muitos moradores estavam na estrada.
Segundo as autoridades, muitas vítimas morreram nos seus carros, surpreendidas pela subida das águas enquanto regressavam a casa, ou na rua, após tentarem subir a árvores ou postes de iluminação.
Esta situação poderia ter sido evitada se estas pessoas tivessem sido avisadas a tempo de regressar a casa mais cedo, adverte Hannah Cloke, professora de hidrologia na Universidade de Reading (Reino Unido).
Falta de resposta das autoridades
A Aemet emitiu um alerta vermelho para a região de Valência na manhã de terça-feira, apelando para "grande cautela" face ao perigo extremo.
Mas o serviço de proteção civil só enviou a sua mensagem telefónica de alerta a partir das 20:00, instando os habitantes a não saírem de casa.
A falta de cautela de alguns moradores também é posta em causa: vários admitiram ter saído apesar dos avisos, explicando que não tinham consciência da gravidade da situação devido a alertas demasiado frequentes.
"Houve falhas de comunicação", mas há sem dúvida uma "responsabilidade partilhada", acredita Pablo Aznar, que aponta um problema na "cultura do risco" espanhola.
"A mentalidade coletiva ainda não está suficientemente adaptada aos novos fenómenos extremos", comenta.
Esta análise é partilhada por Jorge Olcina, da Universidade de Alicante: "Teremos de fazer muito mais para melhorar a educação sobre o risco nas escolas, mas também para toda a população, para que saibam como agir em caso de risco imediato".