O tesouro dos remédios da alma
Não é por acaso que no antigo Egipto, as bibliotecas eram conhecidas por serem o ‘tesouro dos remédios da alma’. De facto, é nelas que se previne e cura a ignorância, a mais perigosa das doenças e a origem de todas as outras
Era uma vez, uma família que acreditava no poder das palavras, na força da imaginação, da criatividade, que sabe que a parentalidade é a nossa maior descoberta e a influência dos pais a maior mestra na construção de cidadãos com ética. Podia começar assim um dos capítulos do livro sobre a minha família. Tive a benção de ter um avô materno que adorava ler e que passou esse amor à sua descendência. ‘Tropeçar’ em livros é algo normal na nossa família. Acho que, intuitivamente, o avô conhecia bem o princípio da epigenética e transmitiu-o com mestria: não são os genes que determinam a saúde ou a doença, é o ambiente. E é por isso que, estimular a leitura consciente, promove definitivamente, um ambiente saudável, transformando o mundo num lugar melhor para todos.
A ciência já comprovou que a leitura é essencial para o desenvolvimento de uma criança. É um caminho que desperta e nutre a imaginação, as emoções e os sentimentos de forma prazerosa e significativa, que auxilia a desenvolver competências socioemocionais, socioculturais, que cria e nutre vínculos. A criança que lê (lembrando que existem várias formas de leitura) consegue expressar-se melhor, entender mais facilmente a realidade que a rodeia, e, quando incentivada, acaba por adoptar o hábito de leitura de forma natural. Através da leitura, as crianças desenvolvem a concentração, a memória, o raciocínio e a compreensão. Estimulam a criatividade e a linguagem oral. Aceder ao universo das histórias activa a imaginação, amplia o mapa do mundo e cria novas possibilidades para que todos lidemos com situações quotidianas desde diferentes perspectivas.
A leitura transporta-nos para outras dimensões. O ser humano é multidimensional e a leitura compõe isso. Nós sentimos aquilo que lemos ou escutamos, colocamo-nos na história e projetamo-nos nela.
Além de jornalista sou também autora - de livros na área da parentalidade, educação e neurolinguística - e muitos pais, educadores, profissionais da educação, perguntam-me como podem estimular o gosto pela leitura nos seus filhos e desde quando o podem fazer: de acordo com os estudos mais recentes nesta área, o gosto pela leitura pode ser incentivado desde a gestação, através, por exemplo, da literatura direcionada à parentalidade/ educação.
A partir do momento em que os familiares começam a ler conteúdos direcionados para aquele momento de vida, já mostram ao bebé a importância que ele tem para a família e, consequentemente, a importância da leitura. A mãe que ao longo da gestação lê, já movimenta essa dinâmica. O bebé vai entendendo de uma maneira muito própria, a importância de abrandar, de escolher algo prazeroso no ‘aqui e agora, porque o corpo da mãe vai produzir e libertar as hormonas relacionadas com todas essas sensações durante a leitura.
Lembro-me, como se fosse hoje, da alegria de sentir os movimentos da minha filha mais nova, no meu ventre, quando lhe lia em voz alta, durante a gravidez. Assim como dos olhos iluminados da mais velha, sempre que escutava uma história durante a infância.
Tal como eu e a minha irmã tivemos, as minhas filhas também têm, desde sempre, a sua própria biblioteca (que vai crescendo). É composta por muitos livros dos avós maternos, meus, de amigos, outros que vamos comprando.
Uma prática que temos é a de visitar as feiras do livro, são sempre surpresas maravilhosas. As minhas filhas acompanham-me sempre no lançamento dos meus livros, de livros que apresento, ou simplesmente o lançamento de obras de outros autores. Muitas vezes, acompanham-me nas sessões de autógrafos. Conhecem bem (mesmo a mais velha, diagnosticada com défice cognitivo - intelectual e que não lê como a maioria das pessoas) a influência dos livros, a dimensão do leitor e do autor, desde vários pontos de vistas. São raparigas que costumam colocar questões “fora da caixa”. Uma, em particular, mais do que falar, escuta, observa e questiona, desde um lugar de extrema curiosidade, com mente aberta e sem julgamento.
Outra coisa que fazemos regularmente é visitar bibliotecas em regiões (ou países) que visitamos. São locais ímpar de cultura. Tesouros.
A importância das bibliotecas é reconhecida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Este são espaços que têm missões-chave, como:
- Criar e fortalecer os hábitos de leitura nas crianças, desde a primeira infância;
- Apoiar a educação individual e a autoformação, assim como a educação formal a todos os níveis;
- Assegurar a cada pessoa os meios para evoluir de forma criativa;
- Estimular a imaginação e a criatividade das crianças e dos jovens;
- Promover o conhecimento sobre a herança cultural, o apreço pelas artes e pelas realizações e inovações científicas;
- Possibilitar o acesso a todas as formas de expressão cultural das artes;
- Fomentar o diálogo intercultural e a diversidade cultural;
- Apoiar a tradição oral;
- Assegurar o acesso dos cidadãos a todos os tipos de informação da comunidade local;
- Proporcionar serviços de informação adequados às empresas locais, associações e grupos de interesse;
- Facilitar o desenvolvimento da capacidade de utilizar a informação e a informática;
- Apoiar, participar e, se necessário, criar programas e atividades de alfabetização para os diferentes grupos etários.
E é por tudo isto, e mais, que estou muito feliz e honrada por ter sido convidada para ser moderadora no III Seminário – Arte, Bibliotecas e Cultura – Livros fora da Caixa e os Livros Objeto, no Museu da Imprensa, em Câmara de Lobos, nos próximos dias 10 e 11 de Outubro.
Esta é, como bem lembra a organização – Câmara Municipal de Câmara de Lobos - “uma oportunidade para aprender, partilhar experiências e acima de tudo refletir sobre a importância do livro e do trabalho desenvolvido pelos promotores e educadores no seu uso efetivo enquanto objeto que educa e exercita o pensamento. É́ deveras importante reunir os profissionais e debater a importância e o papel das bibliotecas numa era de “mundos” virtuais em que a informação é condição essencial para o exercício pleno da cidadania. As bibliotecas deixaram de ser locais de cultivo do silêncio, de aspeto austero, meditativo, para passarem a ser um espaço dinâmico, de múltiplas atividades, apresentando a arte nas suas múltiplas formas de expressão, convocando ao pensamento, ao diálogo e à partilha de experiências e sentimentos.”