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Compra do Commerzbank pelo Unicredit abre brecha na UE sobre concentração bancária

Foto  josefkubes / Shutterstock.com
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A compra pelo banco italiano Unicredit de uma participação no alemão Commerzbank relançou o tema das fusões transfronteiriças na banca europeia e abriu uma brecha nacionalista entre Roma e Berlim.

Em meados de setembro, o Unicredit (segundo maior banco de Itália e que tem operações fortes em vários países europeus) surpreendeu ao entrar no capital do alemão Commerzbank (segundo maior banco da Alemanha) com a compra de parte da posição detida pelo Estado alemão e o reforço das aquisições em mercado até deter atualmente uma participação acionista de 21% (sujeita à validação das autoridades).

A operação deu origem a especulações sobre uma possível fusão das duas entidades, até porque o Unicredit pediu ao Banco Central Europeu (BCE) autorização para aumentar a sua participação acionista até 29,9% o que o põe à beira de uma Oferta Pública de Aquisição (OPA). Este seria o primeiro grande negócio europeu transfronteiriço desde a crise financeira.

Segundo a agência de 'rating' DBRS, os desenvolvimentos em torno de uma possível fusão terão implicações em torno da futura integração bancária e financeira europeia (que a União Europeia vem tentando fazer mas com avanços lentos) e revela que este é ainda um tema sensível.

"As fusões bancárias são transações complexas e o seu sucesso nem sempre é garantido. As fusões transfronteiriças são ainda mais difíceis porque enfrentam obstáculos políticos, orgulho nacional e fragmentação regulamentar", refere numa nota de análise.

Desde a crise financeira que a consolidação bancária vem sendo um tema recorrente na União Europeia. Esta semana, sem falar em casos concretos, a presidente do BCE, Christine Lagarde, considerou que estas fusões não estão isentas de riscos, mas "têm muitos benefícios" se criarem "instituições maiores, mais ágeis" e "possam competir em escala" internacionalmente.

Contudo, a recente ação do Unicredit sobre o Commerzbank caiu com estrondo e pôs em alerta a Alemanha pela possível perda de um banco decisivo.

O chanceler alemão, Olaf Scholz, disse que "ataques hostis e aquisições forçadas não são bons para os bancos" e fonte do Governo adiantou que o executivo apoia uma estratégia do Commerzbank centrada na sua independência.

Do lado italiano, o vice-presidente do Governo italiano, Antonio Tajani, vê a operação como "legítima" e que não "deve ser considerado um ato hostil quando uma empresa italiana compra no mercado europeu".

Esta operação acontece num momento sensível para a Alemanha, com a economia fragilizada pelas consequências da guerra da Rússia na Ucrânia e com o Governo do chanceler Olaf Scholz sob pressão depois das vitórias da extrema-direita em eleições regionais.

A perda de controlo do Commerzbank faz recrudescer os receios de perda de empregos e de problemas económicos, temendo o poder político (nacional e local) e económico que um banco vindo de fora e que não conhece bem o mercado local dificulte o financiamento das pequenas e médias empresas.

Para já, o Estado alemão (que resgatou o Commerzbank na crise financeira) fez saber que não porá à venda a participação de 12% que ainda lhe resta.

Para o economista da Deco Vinay Pranjivan, que integra o conselho consultivo da Autoridade Bancária Europeia (EBA, na sigla em inglês), há na Europa um objetivo primordial de criação de um mercado bancário único que parece ser favorecido pela redução do número de bancos, mas este caso "mostra que o jogo não é tão linear".

A defesa dos interesses nacionais, a manutenção dos centros de decisão e o financiamento das economias locais são questões que se levantam.

Além disso, um mercado mais concentrado é pela teoria menos concorrencial (produtos mais homogéneos e preços mais altos) e a concentração também facilita a emergência de bancos 'too big to fail' [demasiado grandes para falir], considerando que há o risco de se "criar bancos mais fortes mas também monstros" que em caso de problemas terão grande impacto sistémico.

Também em Espanha, a OPA hostil do BBVA (com sede em Bilbau) sobre o catalão Sabadell tem acendido o debate económico e político sobre o benefício da fusão (o processo foi iniciado em abril passado e ainda decorrerá ao longo dos próximos meses).

O Governo espanhol e os governos regionais da Catalunha e da Comunidade Valenciana manifestaram oposição total e partilharam os mesmos argumentos, de que a OPA destrói valor, empregos, território e concorrência.

Em junho, a propósito desta OPA, especialistas e associações de consumidores consideraram à Lusa que é preciso um equilíbrio no setor bancário. Por um lado, uma supervisão adequada (provavelmente facilitada quando há menos bancos) e diminuição de risco sistémico e, por outro lado, a garantia de que há concorrência e uma relação bancária com componente regional/nacional próxima de empresas (sobretudo pequenos negócios) e famílias.

O corte de empregos é outro dos riscos da fusão do Commerzbank com o Unicredit (no conjunto os dois bancos têm mais de 100 mil trabalhadores). Logo após as notícias, 250 trabalhadores do banco alemão manifestaram-se defendendo que o Commerzbank é um ativo estratégico alemão e que uma aquisição o destruiria.

A liderar esta operação está o italiano Andrea Orcel (61 anos), uma estrela do setor bancário conhecido como o 'Cristiano Ronaldo dos banqueiros' pela experiência em fusões e aquisições na banca. Em 2018 foi anunciado para ser presidente executivo do Santander mas desentendimentos sobre o seu salário com a mulher forte do grupo espanhol, Ana Botín, levou o Santander a recuar na contratação. Orcel foi para a Justiça e o banco foi condenado a pagar-lhe 43 milhões de euros.

Numa conferência em Milão esta semana, Orcel disse que esta operação é "um teste para a Europa", que precisa de "bancos maiores e mais fortes", e que deve encontrar um "equilíbrio" entre "identidade nacional e a unidade do continente".

Em 2023, o Unicredit teve lucros de 9,5 mil milhões de euros e o Commerzbank 2,2 mil milhões de euros.

A concentração no sistema bancário europeu tem aumentado. Dados do BCE (que avaliam a proporção de ativos bancários detidos pelos cinco maiores bancos de cada país) indicam que, em média, na União Europeia a concentração bancária era de 68,6% no final de 2023. Em Portugal, a concentração bancária era de 71,5% (em 2003 era de 63%).