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Crónicas

O Trimestre e a Moção de Censura

1. O Boletim Trimestral de Estatística relativo ao 2.º trimestre de 2024, publicado pela DREM, não passa de uma operação de cosmética mal disfarçada. Ao apresentar números que, à primeira vista, parecem positivos, esconde-se a dura realidade de uma Região que enfrenta problemas profundos e estruturais. O crescimento económico, ridiculamente apelidado de “ligeira aceleração”, é, na verdade, um reflexo de uma economia a cambalear, incapaz de dar resposta aos desafios destes tempos. Estamos a falar de um crescimento irrisório de 1,2%, quando o custo de vida, o endividamento das famílias e a falta de oportunidades para a população local não cessam de aumentar.

O mercado de trabalho é, talvez, o exemplo mais flagrante de como este boletim manipula os factos. Celebrar uma diminuição da taxa de desemprego, sem mencionar a qualidade dos empregos criados, é no mínimo desonesto. O crescimento salarial de 6,1% é uma falácia. Face à inflação e ao aumento do custo das rendas, a verdade é que o poder de compra dos trabalhadores da Madeira continua a ser corroído diariamente. Trabalha-se mais, paga-se mais caro por tudo, mas o retorno para os madeirenses é nulo. Não há aqui qualquer estratégia para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos, apenas um desfile de números que tentam mascarar uma dura realidade.

Na construção e habitação, a situação é ainda mais escandalosa. Sim, houve um aumento nas transacções imobiliárias. Mas quem beneficia realmente disso? Seguramente não são as famílias madeirenses, que são expulsas do mercado pela especulação imobiliária e pelos investidores externos. A subida das avaliações bancárias apenas empurra os preços para cima, afastando cada vez mais os residentes da possibilidade de adquirir uma casa. Não há nenhuma menção, nem sequer um plano, para resolver esta crise de acessibilidade à habitação. O que vemos é uma falta de visão que deixa a Madeira nas mãos de especuladores.

Os sectores da agricultura e da pesca, que outrora sustentaram a economia local, definham. A quebra na comercialização da banana e a redução do valor da pesca são alarmantes, conforme o demonstra o boletim. A situação exige uma modernização urgente, inovação e investimento em tecnologia e práticas sustentáveis. Contudo, o Governo prefere ignorar estes desafios, como se fechar os olhos à realidade fosse uma solução aceitável.

No sector energético, há uma dependência crescente de combustíveis fósseis, com o gás natural a assumir um papel de destaque. Qualquer aumento nas energias renováveis é insignificante face à falta de um plano sério para garantir a independência energética. A Madeira continua vulnerável às flutuações dos mercados globais de energia, e o relatório nada diz sobre a necessidade de uma transição energética robusta e sustentável.

A dívida pública é abordada superficialmente, como se uma ligeira redução fosse motivo de celebração. A verdade é que a administração pública permanece inchada e ineficaz, drenando recursos e impedindo qualquer possibilidade de verdadeira reforma. O que temos é uma constante falha em apresentar qualquer estratégia séria para reduzir a carga sobre os contribuintes, que continuam a financiar uma máquina estatal pesada e ineficiente.

Este boletim permite, tal como as cortinas de fumo lançadas por tantos governos incompetentes ao longo da História, um exercício de ilusão e autocongratulação. A verdade, essa implacável aliada da realidade, acabará por se impor, e quando o fizer, seremos confrontados com os nossos erros, com a nossa complacência e, acima de tudo, com a nossa falta de coragem para enfrentar os desafios do futuro. Não será o optimismo vazio ou a manipulação astuta de números que nos salvará, mas sim a determinação feroz de corrigir os nossos rumos, de reformar o que é disfuncional e de encarar os factos com a mesma coragem com que um trabalhador madeirense enfrenta a realidade. O destino da Madeira não será decidido por relatórios agradáveis ao olhar, mas pela vontade inflexível de agir, de inovar e de liderar com uma visão clara e resoluta.

Termino com uma citação de Ronald Reagan: “A visão do governo sobre economia pode ser resumida em frases curtas: se a coisa se move, taxe-a; se continuar em movimento, regule-a; se ela parar de se mover, subsidie-a.”

Esta governação esqueceu-se que os subsídios de hoje são os impostos de amanhã.

2. Sou contra o IRS Jovem. Não porque tenha alguma coisa contra os mais jovens, até porque se o tivesse posicionava-me contra as minhas filhas. Não concordo com esta proposta porque se trata de uma medida que, embora aparente beneficiar os jovens a curto prazo, perpetua uma ilusão de alívio fiscal sem atacar os problemas estruturais do país. O que realmente necessitamos é de uma reforma fiscal abrangente que reduza os impostos para todos, e não apenas para um grupo selecto de jovens e por um período limitado. Ao criar estas isenções temporárias, o governo não resolve as causas profundas da elevada carga fiscal em Portugal, mas sim a camuflar a sua incapacidade de promover um crescimento económico sustentável e duradouro.

Além disso, o IRS Jovem é uma forma clara de “idadismo”, ou seja, discriminação baseada na idade. Beneficiar fiscalmente uma pessoa apenas por ter menos de 35 anos é injusto e discriminatório para os restantes trabalhadores. Todos os cidadãos, independentemente da sua idade, deveriam ter o mesmo tratamento fiscal. Não faz sentido que um jovem tenha isenções significativas, enquanto uma pessoa com mais de 35 anos, que pode estar a enfrentar desafios semelhantes — como a instabilidade no emprego ou baixos salários — fique excluída destes benefícios.

Em vez de aliviar efectivamente os jovens, o IRS Jovem acaba por complicar ainda mais o sistema fiscal, criando uma rede de isenções e condições que só beneficia aqueles que se encaixam num quadro específico de emprego e formação. Muitos jovens ficam de fora, especialmente aqueles que não conseguem encontrar empregos qualificados ou que não tiveram a oportunidade de concluir os estudos superiores.

Esta medida também não resolve outro problema de fundo: a falta de oportunidades de trabalho de qualidade e de progressão na carreira para os jovens. Em vez de criar um ambiente fiscal saudável, que incentive o investimento e a criação de emprego, o governo prefere oferecer soluções temporárias. O verdadeiro apoio aos jovens deveria passar por políticas que promovam o crescimento económico, o investimento e a competitividade, e não por medidas cosméticas que apenas adiam o problema fiscal e criam discriminações entre os trabalhadores.

3. Tenho sido abordado (como o fazem os educados), importunado (como o fazem os arrogantes) e chateado (como o fazem os malcriados) sobre o porquê de, como deputado, não apresentar uma moção de censura ao Governo Regional.

No debate do Programa de Governo, na minha intervenção inicial, propus que se deixasse passar o documento em discussão e o Orçamento, abandonando a sala nos momentos de votação, e que logo a seguir um dos grupos parlamentares apresentasse uma Moção de Censura que contaria com o voto favorável da Iniciativa Liberal no Parlamento. Nem PS, nem JPP o quiseram fazer. A ideia era retirar argumentos de vitimização ao PSD, que “chorava baba e ranho” porque não podia governar. Quem acompanha a imprensa regional notou, certamente, a ingerência chantagista sobre a oposição de Presidentes de clubes de futebol, de IPSS’s, de tudo o que era anunciado diariamente como inexequível por não haver orçamento. Ah, e até o Bispo foi chamado a se queixar.

Voltemos às acusações de que somos alvo por não apresentarmos uma Moção de Censura: não o fazemos porque não podemos. A IL não tem Grupo Parlamentar na ALRAM. Só tem um deputado e por isso é só Representação Parlamentar. Com base nas disposições regulamentares e no funcionamento geral dos parlamentos, um deputado único enfrenta certas limitações, particularmente no que diz respeito a iniciativas que exigem apoio colectivo, como a apresentação de moções de censura.

No caso da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, a apresentação de moções de censura é uma prerrogativa dos grupos parlamentares, conforme habitual em muitos parlamentos democráticos. A lógica subjacente a esta regra é garantir que as moções de censura reflitam uma oposição organizada e representativa, em vez de uma acção individual que não tem o mesmo peso político. De qualquer modo, um deputado único não está excluído do processo. Pode participar de forma activa nos debates, tendo a oportunidade de expressar a sua posição e votar a moção de censura apresentada por outros grupos parlamentares.

Isto é o que diz o Regimento da ALRAM, que é a lei que rege o funcionamento da Assembleia, que mais não faz do que reflectir o que vai na Constituição e no Estatuto.

Na Constituição da República, as moções de censura são um dos mecanismos fundamentais para garantir a responsabilidade política do governo perante o parlamento. O mesmo princípio é adotado no Estatuto Político-Administrativo da RAM, que reforça o papel da Assembleia Legislativa na fiscalização do Governo Regional. O Estatuto especifica que a moção de censura deve ser votada pela Assembleia, sublinhando a importância de uma votação coletiva e, por conseguinte, da necessidade de apoio parlamentar alargado, o que exclui iniciativas individuais.

Resumindo para quem tem pressa e para deixar tudo bem claro: a) Um deputado único, na ALRAM, não pode apresentar uma moção de censura sozinho; b) A apresentação de moções de censura são reservadas a grupos parlamentares.

Escrevi isto para ficar para memória futura e poder ser usado quando me voltarem a acusar… com ou sem modos.