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Fact Check Madeira

Albuquerque afirmar que não tem “medo de nada” é sinónimo de prepotência?

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Miguel Albuquerque participou na sessão solene do Dia do Concelho de Câmara de Lobos. Nessa ocasião, o presidente do Governo Regional do PSD voltou a afirmar não ter medo de nada, nem de ninguém. Falava Albuquerque a propósito das audições na Assembleia da República, sobre os incêndios de Agosto na Madeira, mas foi além e referiu-se à governação na sua globalidade.

O texto da notícia sobre o evento suscitou, até meio desta tarde, 65 comentários no Facebook do DIÁRIO. Grande parte deles de pessoas que discordam do presidente do Governo Regional e vários com conteúdo ofensivo. Mas, aqui, centrámo-nos na análise do que significam as afirmações, não novas, de Miguel Albuquerque, sobre não ter medo de nada, nem de ninguém.

Será que isso significa, como sugerem vários leitores, que se está perante uma política do quero, posso e mando?

A análise ao significado da afirmação de Miguel Albuquerque exige que comecemos por fazer um levantamento de ocasiões em que o actual presidente utilizou o ‘argumento’ não ter medo e não se deixar intimidar por nada nem por ninguém.

Nos últimos 15 anos, com recurso ao arquivo das edições impressas do DIÁRIO, encontrámos várias ocasiões em que Miguel Albuquerque se socorreu desse argumento.

A primeira delas foi em Setembro de 2009, a propósito das posições / decisões do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, sobre as chamadas ‘Moradias VIP’, que haviam sido licenciadas de forma irregular. Aqui, a afirmação deu-se perante a actuação da justiça, numa altura em que Albuquerque era presidente da CMF.

Mais tarde, em 2012, o argumento de não se deixar intimidar foi usado por Miguel Albuquerque em, pelo menos quatro vezes. Continuava presidente da CMF, mas as afirmações tiveram uma origem completamente diferente.

Albuquerque candidatou-se contra Alberto João Jardim, à presidência do PSD-M. Este usou todas as armas contra o candidato desafiante do seu poder. Foi nessas circunstâncias que, por diversas vezes, afirmou não se deixar intimidar.

Passado esse acto eleitoral, que Albuquerque perdeu por muito pouco, decorreram dois anos até voltar a usar o mesmo argumento. Esses dois anos foram os do último mandato de Alberto João Jardim, tanto na presidência do PSD como na do Governo Regional.

Jardim, nas eleições internas do PSD-M, que contaram com Albuquerque, Jaime Ramos, Miguel de Sousa, João Cunha e Silva e Manuel António Correia, resolveu dar o seu apoio a este último.

No processo, que antecedeu a eleição e a formalização das candidaturas, Jardim tentou, com um procediemnto disciplinar, excluir Albuquerque da corrida, o que acabou por não alcançar, por não ter conseguido do Conselho de Jurisdição uma posição que fosse ao encontro do que pretendia.

A luta foi intensa e, também aí, nessa batalha interna, Miguel Albuquerque, pelo menos por três vezes, disse publicamente não ter medo, nem se deixar intimidar.

Haveria de passar sensivelmente seis anos até que o argumento da falta de medo renascesse no discurso de Miguel Albuquerque.

Foi em Maio de 2020, quando o nome da presidente do Governo Regional e do PSD-M foi implicado numa investigação em curso, por haver suspeitas de ligações ilícitas entre a concessão da Zona Franca da Madeira e um negócio imobiliário, na freguesia do Arco de São Jorge. “Ninguém me intimida, não tenho medo de nada!”

Já neste ano, em Abril, em alturas de pré-campanha, no 19º Congresso do PSD-M, Miguel Albuquerque volta a visar as entidades judiciárias e com o mesmo argumento: "Somos um partido que não se intimida com acções mediáticas da PJ [Polícia Judiciária]" e “quanto mais me atacam, mais força tenho”.

No mês seguinte, Maio, no último dia de campanha para as eleições regionais, o mesmo argumento: “Ninguém nos mete medo, ninguém nos derruba (...), ninguém nos intimida.”

E, na sexta-feira, dia 4 de Outubro de 2024, com a operação ‘Ab Initio’ em pano de fundo e as audições na Assembleia da República, sobre os incêndios de Agosto, a marcarem a actualidade, a mesma ideia: “A mim ninguém me intimida”.

Há 15 dias, na Festa do Pêro, Miguel Albquuerque dizia nada ter a perder.

Mas, representarão tais argumento prepotência, quero, posso e mando? Talvez sim, talvez não.

Internamente, para o partido, a retórica de Albuquerque pode ter ajudado a consolidar a forma como é visto (ganhou eleições já neste ano) e como objectivo afirmar-se como líder destemido e imune a pressões.

Já quando enfrenta a Justiça ou aqueles que, na sequência da acção da Justiça, o atacam politicamente, Miguel Albuquerque pretenderá afirmar-se como líder resiliente, capaz de superar as adversidades, mas, como se viu no congresso de Abril, tenta envolver os militantes e arrebanhar apoios ao falar no plural: “Ninguém nos mete medo”.

A mesma lógia que utilizou ao afirmar que as investigações – ‘Ab Initio’ - até são desprestigiantes para os madeirenses, quando o são, se o forem, apenas para os suspeitos: “Você acha que a Madeira agora é antro de ‘gangsters’, de criminosos e de associações mafiosas? Eu até acho que isto é ofensivo para a dignidade dos cidadãos da Madeira.”

A afirmação de que não tem medo, de que não se deixa intimidar, por ser feita de forma sistemática e prolongada, pode, por um lado dar uma ideia pública de força, de líder resiliente, mas também sugere alguma fraqueza e, por isso, ser vista como uma atitude defensiva.

Por tudo isto, as afirmações que apontam as palavras de Albuquerque como tradução de uma atitude que quero, posso e mando, são consideradas imprecisas, pois podem também traduzir um estado de fragilidade.

“Isso é que é falar, quero mando e posso, chama-se isso abuso de poder” – G. Rocha no Facebook