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Um hospital… sem paredes

O eclipse da mudança não acontece em casa, nem na rua nem no teu local do teu trabalho. Acontece em ti e está envolto em emoção. Um cocktail de profunda emoção! É certo que esta mudança não é da mesma intensidade, do mesmo formato, com as mesma razões ou para resultados semelhantes. Não é nem na substância, nem na forma. É um estado, que ocorre num momento e para uma circunstância. Pode acabar por ser para sempre, ou nem chegar a mudar o que parecia certo ou até mudar o que não era esperado. Em todo o caso, é a nossa mudança. A mudança que nos atravessa, aquela que nos abana e nos estonteia. É, na verdade, um turbilhão de sentimentos. Vendo bem, se formos dissecados da nossa superficialidade, daquilo que andamos a fazer no nosso dia a dia, não passamos de um desassossego que nos inquieta a alma. Uma alma que nunca pensamos nela e que raramente deambulamos sobre a sua existência e quase nunca manifestamos preocupação sobre a sua imaterialidade que hoje é, na realidade, totalmente demonstrável. Contudo, é ela a melhor forma de falarmos da nossa essência. Daquilo que somos e às vezes do que gostaríamos de ter sido!

Mas isto que estou a escrever não é nenhum tratado sobre religião, a sua existência, os paradoxos ou de algumas fantasias que a maior parte de nós fomos sendo confrontados, quando sentados nos bancos das igrejas por essa ilha fora. É antes um momento de comoção genuína com a fragilidade que a dor deve ter. Com a vulnerabilidade dos que se emocionam e que não se envergonham da sua debilidade. Dos que sabem que falham e falharam, que se embaraçam ou atravancam-se, mas que insistem em louvar, nobilitar, reverenciar todos os outros. Os outros que noutras alturas foram igualmente débeis, igualmente vulneráveis, mas que, quando chamados ao seu posto, estiveram valentemente decididos a serem os mais fortes, os mais competentes, os disponíveis e acessíveis, sem hesitarem a gentileza, a mostrarem a cortesia, mas também a doçura, a ternura ou o afecto aos vulneráveis. Qualquer vulnerável. E sempre com gentileza.

Nada disto é menor ou piegas. Prometi, por ali, nas deambulações, que iria lutar por mais batas, mais luvas, mais material, mais condições, mais equipamento, mais salários. Pois está claro que lembrei que teremos um novo hospital e que bom que será e que falta faz. Mas, quero dedicar a gente assim, daquela que me fui cruzando, às vezes sem olhar, de uma ponta a outra e de cima a baixo, que não descansa na ajuda à comunidade onde estão. À nossa comunidade. Querem mais salários, mas fazem o seu papel para com o seu próximo. Querem mais reconhecimento, mas não viram a cara ao sorriso e ao alento dos que ali chegam, sabe lá Deus com que destruição, visível ou não. Vi tudo isso, e fui agraciado, no meio da turbulência, da minha brutalidade. Nunca pior da de tantos outros. Este encorajamento não teve nada a ver com as paredes ou com a tecnologia, mas por eles: pelo chá que me trouxeram com ternura ou com a injeção que injectaram com brandura, com a serenidade que acalmaram o alarme avermelhado do medo durante a noite ou as palavras que escolheram com olhos da esperança. Obrigado aos assistentes operacionais: Cláudia, Beques, Dora, Fátima, Isabel, Isolina, Goreti, Cecília, Ondina, Alberto, Nélio, Paula, Cátia, Daniela, Lilia, Rubina e a Rita. Mas também às enfermeiras e enfermeiros Alexandra, Ana, Andreia, Bárbara, Carla, Catarina, Cláudio, Cristina, Dóris, Duarte, Emanuel, Edna, Élia, Fabíola, Fátima, Filipa, Flávio, Gina, Gonçalo, Joana, João, Liliana, Lourenço, Luís, Margarida, Marina, Marta, Micaela, Nelson, Nuno, Paula, Ricardina, Ricardo, Rui, Rute, Sara, Silvia, Sofia, Tânia, Vanessa, Victor. E finalmente aos médicos, com particular referência ao Bruno, mas também ao Drumond, Graça, Paula, Gomes, Nuno, Ricardo, João, Marina, Margarida, Gonçalo e a Matilde. Vamos ter novos muros qualquer dia, mas nenhum deles substitui este edifício humano que acomoda inteligência e emoções da forma que um dia acabamos por precisar.