DNOTICIAS.PT
Artigos

“Gangsters” ou mártires da nossa terra

O arquipélago da Madeira ao longo da sua frutuosa e rica história, foi palco de várias investidas de corsários, dada a vulnerabilidade geográfica e a exiguidade de fortificações.

No século XVI, houve uma dessas incursões em 1566 particularmente impiedosa para o Funchal, capitaneada pelo francês Pierre-Bertrand de Monluc, que apesar de ter perdido a vida nessa vil empreitada, deixou a cidade saqueada pelos seus homens que zarparam incólumes, com a cumplicidade de alguns locais.

Em 2024, passados 458 anos e já em tempos de democracia e autonomia, a Madeira sofreu até hoje, duas incursões do Ministério Público e Polícia Judiciária, aerotransportados desde Lisboa para “saquear” documentos e ficheiros informáticos que alegadamente comprovam pilhagens da coisa pública, por parte de “piratas” locais.

Na última investida mediante o protocolo securitário, os detidos foram algemados e conduzidos com escolta armada até ao tribunal, para serem ouvidos, mas, optaram pelo silêncio. Lá foi o tempo, em que os injustiçados rugiam por ilibação. O popular adágio apartado das estratégias de defesa e da presunção de inocência, lá reza, que “quem cala, consente”.

Foi estampada a reportagem pictórica dos irmãos Dalton de algemas, conduzidos pelo espingardeiro Lucky Luke, com mirones estarrecidos a colocar a barba de molho. Nos jornais e redes sociais escorreram indignações, perante a montagem cénica “excessiva” das forças de segurança. Se fossem anónimos que nunca aparecessem a descerrar placas das inaugurações, esses podiam ser servidos na arena besuntados com molho palatável às feras, para gáudio da plebe. Agora, doutores e gente importante da administração pública regional e local, a esses, só lhe está reservada publicidade acolchoada ou, pegando na mesma expressão que acima utilizei – montagem cénica, contudo, reabilitante, como aquela que ocorreu no regresso do autarca Carlos Teles à Câmara Municipal da Calheta. Um regresso teatralizado, articulado com a mesma comunicação social, que se havia agastado com o cortejo dos caídos, para depois participar num “aparente branqueamento” da imagem do autarca suspeito e arguido. Faltou um arraial montado no mítico Fanal, depois da breve fruição prisional.

O interesse público é elástico, mas, não deve ter planos inclinados, e essa é a óbvia perceção, que alguém desapaixonado como eu tem, desta sucessão informativa que medeia e metamorfoseia as bestas a bestiais, como mártires elevados ao altar da pia santidade, para não falar, dos intocáveis seres escudados ao macadame da imunidade.

Que mais falta suceder, perante estes sinais, de que esta governação está enferma? Tal como a oposição representada no nosso principal órgão de governo próprio. Como é possível não censurarem politicamente esta administração? Passa a ideia que a Autonomia se está a virar contra nós, e que precisamos que agentes da República nos venham resgatar de supostos “gangsters”, que coletivamente escolhemos para nos (mal) administrar.

O ardor autonómico está enfraquecido não por causa dos corsários que navegam além do horizonte da memória, mas (talvez) porque a Autonomia, tornou-se instrumental para o saque interno.