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Vitória de Pirro

A República Romana, que ainda não dominava toda a Península Itálica, travou-se de razões com a cidade de Tarento (junto ao ”tacão da bota” italiana), que tinha como aliado Pirro, rei do Epiro, hoje parte da Grécia e Macedónia. Para acudir ao aliado, Pirro entrou na Itália e travou uma séria de batalhas, saindo vencedor, numa primeira fase.

Logo na primeira batalha, em Ásculo (279 A.C.), venceu usando elefantes de guerra, cavalaria e tácticas diferentes. Mas as perdas foram tais que se lhe atribui esta frase: outra vitória como esta e estamos acabados. De facto, enquanto Roma podia recompletar as suas baixas, Pirro estava longe de casa, e com o Mar Adriático de permeio.

Assim teve origem a expressão “vitória de Pirro”: um triunfo que se torna num desastre.

Agora que vemos as guerras de regresso à Europa e ao Médio Oriente, é sempre útil relembrar coisas do passado, e as lições que elas encerram. Não que os exemplos históricos sejam como as receitas de cozinha, com resultados garantidos, se forem seguidos à risca: mas é bom aprender com os erros e não os repetir.

Carl von Clausewitz, o grande teórico prussiano, escreveu: “um governo nunca deve partir do princípio de que o destino do seu país, de toda a sua existência, depende do resultado de uma única batalha, por muito decisiva que seja”. Talvez de Gaulle conhecesse este texto, quando em 1940 declarou que “a França perdeu uma batalha, mas não perdeu a guerra”. Os romanos de 279 A.C. decerto não tinham lido von Clausewitz; mas talvez este tenha estudado e compreendido os romanos.

Quando se começa uma guerra, é naturalmente para ganhar; o comportamento do agressor é, portanto, o de presumível vencedor. Será ele a escrever a História, e todos os seus pecados serão perdoados e esquecidos – mas não os do perdedor.

Israel ganhou, até hoje, todas as guerras: 1948, 1967, 1973, sempre com ganhos territoriais. Decerto respondeu a ameaças externas, potenciais (1967) ou materializadas (1973), mas o resultado nunca foi o da reposição do status quo anterior: foi um alargamento territorial, eufemismo para o direito de conquista.

A Organização das Nações Unidas (ONU) nasceu da II Guerra Mundial, com a intenção de que uma catástrofe semelhante jamais se repetisse. Infelizmente, boas intenções não chegam, mas são um bom indicativo de conduta.

No artigo 2.º da Carta, consta:

#4. Os membros deverão abster-se nas suas relações internacionais de recorrer à ameaça ou ao uso da força, quer seja contra a integridade territorial ou a independência política de um Estado, quer seja de qualquer outro modo incompatível com os objectivos das Nações Unidas;

#5. Os membros da Organização dar-lhe-ão toda a assistência em qualquer acção que ela empreender em conformidade com a presente Carta e abster-se-ão de dar assistência a qualquer Estado contra o qual ela agir de modo preventivo ou coercitivo.

Para nosso mal, estamos longe destes desideratos.

Resta saber como se desenrolarão estes conflitos.

Quer o diálogo de surdos da Ucrânia, quer a escalada territorial e de violência do Médio Oriente (a Palestina já lá vai), continuam na senda prolongamento da guerra e do alargamento dos teatros de operações.

Sun Tzu, o estratega e teórico chinês do século V A.C., escreveu que nunca país algum beneficiou de uma guerra prolongada. Além do natural desgaste, a própria dinâmica do conflito pode levar ao esgotamento, ainda que se avance de vitória em vitória.

É provável que o cansaço, a falta de meios, a lassidão, levem a uma desmotivação generalizada, sobretudo dos contribuintes, sobre quem recai o exorbitante preço da guerra.

Se assim for, podemos chegar a vitórias de Pirro: os êxitos no campo de batalha pesarão pouco no resultado final.