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Um erro de casting

Quando um governante escolhe alguém para chefiar uma determinada instituição, ou mesmo uma certa área da governação, é natural que tal cumpra vários predicados. Seja por ter concebido o programa da governação, por ter feito a defesa eficaz do projeto político nessa área, ou por ser alguém da máxima confiança do governante e aglutinar uma numerosa equipa, coesa e motivada em volta do seu projeto. Ou ainda por conhecer a fundo os dossiers da governação ou por ser reconhecido na sociedade como muito competente na matéria, ter longa experiência e claramente encorpar um projeto de mudança nessa mesma governação.

A nomeação da atual Ministra da saúde, Ana Paula Martins parece não reunir nenhum desses predicados exceto ter sido, supostamente, a primeira pessoa a não recusar o convite para o cargo, como talentosamente comenta no Observador o meu colega José Torres da Costa.

O legado era pesado. O partido que sustenta e propôs esta ministra, o PSD, tem um legado de bons ministros da saúde, o último dos quais fez reformas importantes, no caso, Paulo Macedo. Ele sustentou o SNS apesar da “guilhotina” da Troika. Foi pragmático, não recitou cartilhas ideológicas, mas inovou, ao recriar a carreira médica, unificando-a, terminando assimetrias de anos que eram fonte de ineficácia e injustiça. Inovou ao centralizar as compras do SNS e ao criar e promover parâmetros de comparação de produtividade e qualidade.

O legado também não foi facilitado pelo próprio PSD ao ter um discurso de oposição crítica, mesmo radical, aos anteriores ministros da saúde de Costa, criticando quase tudo e todos, elevando a fasquia a um posto que nenhum futuro ministro da sua área conseguiria atingir, o que na gíria se diz “beber do próprio veneno”!

Mais ainda, o porta-voz da saúde de Luís Montenegro é médico, ex-bastonário. Fez-se a voz de tudo quanto corria mal nos hospitais e centros de saúde, trilhando na Ordem dos Médicos o seu caminho político até às escadarias do Parlamento o que, em abono da verdade, é mais uma pedra no sapato da credibilidade desta equipa da saúde.

O trajeto político deste atual governo nesta área específica tem sido tudo menos um sucesso, atestado por inúmeras polémicas e opiniões dos intervenientes do setor. Era expectável.

Desde demissões sem nexo como a do diretor do SNS, às rajadas de programas de emergência de verão, que obviamente não funcionaram, isto em vez de uma política estruturada de correção dos erros da governação socialista.

Ao esconder debaixo do tapete situações graves de higiene e segurança em vários hospitais de Lisboa, ao enganar-se, num zero, no número de doentes oncológicos em espera de cirurgias, ao admitir o seu mesmo plagio na universidade. Da polémica das “pessoas que menstruam”, ao Hospital de Santa Maria ameaçar instaurar processos judiciais aos cidadãos que critiquem publicamente a instituição, como se a Constituição não permitisse o direito de opinião livre.

A lista já é longa e parece crescer. Em especial porque a Sra. ministra parece querer comprar uma guerra com os sindicatos do sector, ao ter descartado vontade política e aporte financeiro nas negociações como os profissionais do setor.

Algo que pensei nunca ouvir, ouço agora. Marta Temido a ser desculpabilizada, não pelas decisões erradas, pelo desprezo a certos profissionais ou por ter emagrecido o SNS, mas sim por ter mais competência efetiva, mais garra e ter um projeto para a saúde, que a atual titular da pasta aparenta não ter.

A pergunta mais importante que se coloca é: pode este governo da República ainda melhorar o rumo na saúde, seja mudando a ministra, ou talvez a sua assessoria, ou investindo mais do que previa neste setor? Sim, por favor! Vemos já sinais de alguma coerência ao admitirem alguns erros cometidos e em manterem o projeto das Unidades de Saúde Familiares tipo C, fundamental para os cuidados de saúde primários. Veremos!