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Madeira

Procuradores alertam para risco de separar megaprocessos e criticam ideia de impor prazos ao MP

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Os procuradores Rui Cardoso, Vítor Pereira Pinto e António Ventinhas alertaram hoje para os riscos de separar os megaprocessos em casos mais pequenos e criticaram a ideia de impor prazos vinculativos ao Ministério Público (MP).

Num debate realizado na conferência "Processo Penal - O papel dos sujeitos processuais e o Estado de Direito", os três magistrados refletiram sobre diversos aspetos da justiça portuguesa, como a morosidade ou a autonomia e a intervenção hierárquica no MP, mas foi na questão dos megaprocessos que se arrastam durante anos e no seu efeito sobre a perceção pública da eficácia de justiça que lançaram mais avisos.

"Nem sempre a separação significa que o megaprocesso deixa de o ser. Vamos ter os mesmos recursos e incidentes em três megaprocessos", defendeu o procurador-geral adjunto Vítor Pereira Pinto, um dos magistrados que está ligado a casos mediáticos, como a Operação Marquês ou a Operação Lex.

A mesma visão foi partilhada pelo ex-presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) Rui Cardoso, que considerou que não se deve presumir que a divisão dos megaprocessos seja a resposta global aos problemas criados pela dimensão e especial complexidade destes casos judiciais.

"Os problemas poderão ser muito piores... isso levará a que tenhamos uma repetição de atos em muitos processos. Isso aconteceu, por exemplo, no caso de Rui Pinto", referiu, ao aludir à separação da investigação de factos semelhantes em diferentes inquéritos, que se traduziu já numa condenação e na realização do segundo julgamento já no início do próximo ano: "Em muitos casos, as testemunhas são as mesmas. Isso levará a uma repetição de atos - as mesmas testemunhas, os mesmos arguidos, e depois teremos um problema de eficácia".

Já António Ventinhas, ex-presidente do SMMP e diretor do Departamento de Investigação e Ação Penal de Faro, preferiu centrar-se em questões operacionais dos megaprocessos e que, no seu entender, pesam decisivamente para a demora excessiva durante as diferentes fases processuais, como a ausência de notificações por email, a transformação da instrução "num pré-julgamento" e o não aproveitamento em julgamento de atos já efetuados no inquérito.

Perante os anos que decorrem entre a investigação e a decisão transitada em julgado destes megaprocessos, algumas vozes apontam para a necessidade de impor prazos vinculativos ao MP para a condução das investigações. Todavia, os três procuradores convergiram na ideia de que uma proposta dessa natureza é negativa para a justiça.

"Não faz sentido nenhum. Se houvesse [uma imposição de prazos perentórios], resultaria que não se recolheria prova suficiente e o processo seria arquivado ou que haveria uma acusação insuficiente. E a fase seguinte seria um prazo perentório para o julgamento", frisou.

Por sua vez, Rui Cardoso salientou que obrigar o MP a cumprir um prazo obrigatório na fase de inquérito seria "uma forma de denegação de justiça" e que tal situação representaria uma possível "violação da Constituição ou da Convenção Europeia dos Direitos Humanos", enquanto António Ventinhas lembrou que "as outras autoridades também não têm prazos perentórios para responder" ao MP, dando como exemplo as perícias médico-legais.

Sob o tema "O Papel do Magistrado do Ministério Público", o trio de oradores deste debate convergiu ainda na defesa da autonomia do MP e da conciliação dessa situação com a intervenção hierárquica, recusando também uma alteração da composição do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) para passar a ter uma maioria de elementos não magistrados, como sucede no Conselho Superior da Magistratura.

"Uma maioria de não magistrados não tem vantagem. Não tem para o MP, nem para a justiça portuguesa e nem para o Estado de direito. Os maiores ataques à independência começaram sempre pela composição dos conselhos superiores", disse Rui Cardoso, que enfatizou que as magistraturas judiciais e do MP "são diferentes" e que uma alteração nesse sentido "é para controlar os processos", além de recusar a ideia de "procuradores em roda livre".

Vítor Pereira Pinto realçou também que a "autonomia do magistrado não impede a intervenção hierárquica" e que as duas circunstâncias "são perfeitamente conciliáveis", apesar de o SMMP ter impugnado há já três anos uma diretiva da anterior procuradora-geral da República, Lucília Gago, sobre o exercício do poder hierárquico, considerando que tal pode constituir uma limitação da autonomia dos procuradores.

Por último, António Ventinhas assegurou que essa situação está clarificada no estatuto do MP e assumiu não haver necessidade de serem feitas alterações sobre essa matéria.