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Notas sobre a busca de propósito e sentido

Desde sempre que as civilizações se debatem com a procura de significado e propósito na existência, procurando, ao longo dos séculos, dar resposta a esta inquietação.

Na Antiguidade Clássica, a filosofia estóica, a partir de referências como Séneca, Epicteto e Marco Aurélio, postulou que o alcance do bem-estar parte da atitude interior que cultivamos face à imprevisibilidade de circunstâncias externas: o que está fora do nosso controle deve ser aceite com tranquilidade, e o que está na nossa esfera de ação – atitudes e reações - deve guiar-se pela razão, autossuficiência, equilíbrio das paixões e pelo cultivo de virtudes cardinais: coragem, sabedoria, justiça e moderação.

Após o ocidente transitar de uma visão de mundo centrada em Deus para uma perspetiva secular, com o Iluminismo e Racionalismo, filósofos ateus como Nietzsche sugeriram que os indivíduos não devem aceitar passivamente a falta de sentido ou propósito da vida, e a perda de fé ou crença em verdades absolutas ou transcendentes. A “morte de Deus” seria uma oportunidade para a humanidade transcender a moral religiosa e criar novos valores baseados no potencial individual e na autossuperação. Existencialistas como Sartre advogaram que somos livres, carregando connosco a responsabilidade individual de criar o nosso próprio sentido, pois este não seria inerente à existência. Camus, em O Mito de Sísifo, expõe que, apesar de a vida ser absurda, a solução não é desistir ou entregar-se ao desespero, mas sim abraçar o absurdo e viver plenamente, encontrando sentido nas próprias experiências e escolhas.

Viktor Frankl, no seu livro “Em busca de Sentido”, relatou o sofrimento que vivenciou em campos de concentração nazis, sugerindo que a busca de sentido é uma força motivadora primária do ser humano, e “tudo pode ser tirado de uma pessoa, exceto uma coisa: a liberdade de escolher a sua atitude em qualquer circunstância da vida.” Fundou a logoterapia (abordagem psicológica que se centra na busca do indivíduo por sentido), conceitualizando que distúrbios como a ansiedade e depressão podem ser causados pela sensação de vazio, crises de significado ou uma “frustração existencial”, comuns numa modernidade acelerada, transitória, incerta e frágil quanto a dimensões sociais e culturais que antes ofereciam um sentido mais claro para a vida.

Joseph Campbell, por seu lado, em “O Herói das Mil Faces”, destacou o potencial curativo das narrativas culturais agregadoras, como as religiosas, assim como mitos ou contos, que apresentam padrões e etapas comuns: iniciação, provação, superação, retorno e transformação/renovação. Carl Jung argumenta que estas histórias apresentam arquétipos como o herói, o sábio, a sombra, que integram o inconsciente coletivo humano, e facilitam a superação de conflitos psicológicos, a busca de identidade e sentido moral e existencial que todos nós enfrentamos.

Encontramos inúmeros exemplos destas estruturas na mitologia grega e romana, com Ulisses, Rómulo e Remo, no judaísmo/cristianismo, em Moisés ou Abraão, no folclore e contos tradicionais, e até decalcadas na cultura popular, como no Rei Leão, Star Wars, Senhor dos Anéis ou Matrix.

Os mapas de sentido já foram traçados ao longo dos séculos no ocidente. Estruturaram a cultura e religião, procurando dar significado ao sofrimento, cultivar virtudes, valores, sentido moral e propósito. E permitem navegar na dialética entre o significado coletivo extraído de narrativas culturais simbólicas, e valores e escolhas individuais que devemos abraçar com responsabilidade, em busca de uma vida mais plena.