O 25 de Abril visto da frente de combate em Sagal/Moçambique
Milicianos católicos, comunistas interventores-agravamento e fim da guerra e do colonialismo
Ser católico desde cedo e ser progressista deve-se a um conjunto de sacerdotes católicos, os Padres do Pombal, quatro padres que viviam em comunidade, construíram o Centro De Cultura Operária, onde se davam aulas à malta católica da JOC e se faziam colóquios de carácter progressista. Estes sacerdotes e membros da minha família bem como opositores ao Regime fascista, escreveram uma carta ao Governador da Madeira a solicitar eleições livres. Antes de ler Marx li apaixonadamente, a Encíclica Paz na Terra do Papa João XXIII.
O bispo Ferreira Gomes, expulso de Portugal por Salazar, o bispo Resende da Beira, o homem que lutou pela libertação dos negros, o bispo Vieira Pinto de Nampula recambiado para Lisboa acompanhado da PIDE, o bispo Eurico de Vila Cabral, um homem controverso mas que tinha relações com a Frelimo, os padres de Macuti que denunciaram os crimes do colonialismo e tantos padres e leigos cristãos lutaram pela democracia em Portugal, pelo fim da guerra e pela cooperação entre os povos. Muitos milicianos eram católicos progressistas, e eu próprio era e sou comunista e católico.
Quando cheguei a Nampula em 23 de março de 74 tive um encontro político com o Carlos Humberto que me deu algumas orientações sobre o comportamento a ter na frente de combate e com a correspondência.
Estava eu, de sargento de dia à Unidade de SAGAL, onde se podia ler: «Bem vindos a SAGAL, Terra da Guerra, aqui trabalha-se, passa-se fome e morre-se». Quando ao fim da noite, o Duque, radiotelegrafista, dá-me conhecimento do golpe em lisboa e transmiti de imediato ao capitão Zé Pinheiro. A confusão era tremenda não se sabia quem era quem no golpe, o medo era enorme!
Nas matas de Cabo Delgado a propaganda colonial deixava cartões no mato com os seguintes dizeres: «Você que lê este cartão e que anda com armas na mão, por conta dos chefes comunistas e desses chefes tem de pensar bem. Pense que qualquer dia pode ter este cartão junto do seu corpo morto e então já não tem remédio. Nós gostávamos que você abandonasse a Frelimo e viesse ter connosco para viver uma vida decente e uma vida a defender os justos e verdadeiros interesses de Moçambique».
Já depois do 1.º de Maio recebo abundante informação com revistas e jornais vindos de Lisboa.
Segundo o jornal República o programa do movimento tinha os seguintes pontos essenciais:
«1 -Extinção imediata da DGS, Legião e ANP; 2-Amnistia imediata para os presos políticos; 3-Abolição da Censura e Exame Prévio; 4-Reorganização e saneamento das forças armadas; 5-Combate eficaz contra a corrupção; 6-Permitida a formação de associações poíticas; 7-Luta contra a inflação e alta do custo de vida.»
Nada dizia sobre a descolonização e fim dos combates. A Frelimo atacava mais forte. A guerra prosseguia e tivemos 5 mortos e 17 feridos até 1 Agosto 74. A Pide/DGS continuava nas colónias
Dentro dos quartéis os jovens oficiais e sargentos, mais esclarecidos, formavam grupos de oposição à continuação da guerra e recusavam funções ofensivas ficando só na defensiva nas suas Unidades.
A alegria contagiante da população em Portugal contrariava o nosso medo de morrer ingloriamente.
Em Portugal um partido político irresponsável fazia manifestações com um slogan «Nem mais um soldado para as colónias». Mas havia companhias com 30 meses de combate e que ninguém as substituía.
Em Cabo Delgado em 50 Companhias, 48 capitães eram milicianos e todos os oficiais e sargentos eram milicianos só os primeiros sargentos eram do quadro permanente
Em Mueda e Sagal tive um papel importante a seguir ao 25 de Abril. Participei nas reuniões com o pessoal do MFA, assisti à reunião com 3 membros do MFA vindos diretamente de Lisboa.
Os milicianos, oficiais e sargentos conseguiram travar alguns «amarelados» do quadro que queriam prosseguir a guerra.
Já estávamos em Mueda em 7 de setembro, com tropas da Frelimo e outras regulares da Tanzânia e um grupo reacionário toma conta do RCM em Lourenço Marques. Pensamos no pior. No recomeço da guerra, eu e um grupo de militares estávamos disponíveis para ir para o mato lutar ao lado da Frelimo.
Acabou pacificada a situação. Vim de férias ver a família e a revolução de perto. Estive na Madeira, falei com o pessoal que estava em ebulição na defesa das liberdades e na luta pela extinção da colonia. Regresso a Lisboa e assisto à golpada do 28 de setembro o que atemorizava, e em 21 de outubro novo incidente em Lourenço Marques com centenas de mortos.
Regressei a Moçambique já em Paz e por lá fiquei até 1 de abril de 1975
Entre Outubro de 1974 e 1 de Abril de 1975, vivendo no Lumbo e em Nacala ajudei muitas vezes na resolução de pequenos conflitos entre alguns colonos que queriam comprar munições e armas para resistirem à Frelimo depois da independência de Moçambique.
A partir de 2001 fui cinco vezes a Moçambique trabalhar gratuitamente para recuperar o Hospital de Marrere. Visitei duas vezes os locais da guerra, em Cabo Delgado mas acompanhado de um franciscano. Tremi muito por dentro e por fora ao visitar os locais da guerra que tantas mazelas ainda nos causam e que conduz à defesa da Paz e não à Guerra.