Será que a nossa via rápida é uma das estradas mais perigosas de Portugal?
“As loucuras e descontrolos continuam na via rápida da Madeira, uma das [estradas] mais perigosas e inseguras de todo o Portugal”. Esta publicação, em jeito de alerta, foi feita há dois dias por um cidadão madeirense no canal ‘Ocorrências na Madeira’ no Facebook e já gerou alguns comentários. Alguns comungam da visão do autor, outros acham-na manifestamente exagerada. “Que anda muito aselha e parvo na estrada, é uma coisa. Agora, até [a via rápida] ser a estrada mais perigosa e insegura de Portugal vão quilómetros”, sublinha uma cidadã. Qual será a realidade?
Os dados mais recentes da sinistralidade rodoviária em Portugal dizem respeito ao período de Janeiro a Maio de 2024. Surgem num relatório da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) que revela que, em todo país, houve 182 vítimas mortais em acidentes de viação, sendo que 179 tiveram lugar no continente, dois na Madeira e um nos Açores.
O mesmo documento detalha as estradas onde ocorreram acidentes mortais. A nível do continente, há 12 vias onde se registaram mais de dois mortos de Janeiro a Maio de 2024 (ver lista abaixo). A lista é encabeçada por três estradas nacionais (EN) que acumulavam, cada uma, quatro vítimas mortais no mencionado período: EN1 (Lisboa-Porto); EN125 (que atravessa o Algarve); e EN16 (ligação de Aveiro a Vilar Formoso).
A via rápida que liga o Caniçal à Ribeira Brava não consta desta lista da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, nem poderia constar, visto que não registou qualquer acidente mortal nos primeiros cinco meses do corrente ano. As duas fatalidades ocorridas nas estradas regionais neste período foram tiveram lugar na Estrada João Gonçalves Zarco, no Caniço (um homem morreu atropelado a 25 de Janeiro), e no túnel do Lugar de Baixo, na Ponta do Sol (morte de um homem num acidente de moto a 26 de Maio).
Se a via rápida não aparece no ranking de estradas mais mortíferas deste ano, poderia eventualmente surgir nos de anos anteriores. Mas isso não tem acontecido. A esse respeito, já foram realizadas várias análises. Por exemplo, o ‘Motor 24’, órgão de informação especializado em mobilidade, elaborou a lista das 10 estradas mais mortíferas de Portugal no período 2010-2015, com base em dados do Plano Estratégico de Segurança Rodoviária (PENSE 2020). Nos dois primeiros lugares da lista voltam a surgir a EN1 (75 mortos) e a EN125 (66 mortos). Nos dez primeiros lugares não figura a via rápida (ver quadro abaixo).
Se a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária tivesse uma lista de acidentes permanentemente actualizada, a via rápida já não surgiria com registo nulo. É que das nove vítimas de acidentes nas estradas regionais ocorridas desde o início do ano até ao dia de hoje, quatro dizem respeito a sinistros verificados na via rápida, registados naturalmente após o período contemplado no relatório da ANSR.
Eis a relação dos acidentes com vítimas mortais no corrente ano na Madeira:
25 de Janeiro
Um homem de 54 anos morreu
atropelado na Estrada João Gonçalves Zarco, no Caniço.
26 de Maio
Um outro homem de 30 anos morreu
na sequência de um acidente de moto no túnel do Lugar de Baixo, na Ponta do
Sol.
5 de Junho
Um turista perdeu a vida após ter
sido atropelado na via rápida, na recta do Aeroporto.
3 de Agosto
Um jovem motociclista de 17 anos
morreu na sequência de um acidente de viação na Rua Dr. Pita, acima dos
Barreiros, no Funchal.
2 de Setembro
Idosa de 80 anos atropelada
mortalmente junto a paragem no Rochão, Camacha.
11 de Setembro
Um homem que seguia como passageiro numa motorizada faleceu na sequência de um acidente que envolveu uma viatura na
Estrada Regional 102 (Camacha-Santo da Serra).
29 de Setembro
Dois jovens perderam a vida num
despiste de mota no túnel da Quinta Grande.
3 de Outubro
Um homem de 69 anos morreu após um
despiste na saída da via rápida, na Boa Nova.
Os dados disponíveis até ao momento desmentem que a via rápida, em específico, seja “uma das [estradas] mais perigosas e inseguras de todo o Portugal”.
No entanto, há que reconhecer que há motivos para que os madeirenses fiquem com a percepção de que as “loucuras e descontrolos” estão a aumentar nas estradas regionais. Desde logo, porque é notório o aumento do tráfego automóvel. Por outro lado, a Serviço Regional de Protecção Civil registou 629 pedidos de socorro relativos a acidentes de viação nos primeiros nove meses deste ano, o que corresponde a um aumento face ao período homólogo de 2023.