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Que P(N)S é este?

Há quem tenha dito a 10 de Março que “o tempo da tática terminou”. Enganou-se. Em bom rigor, tinha acabado de começar.

É inegável que em 2015 as instituições democráticas conheceram um novo normal – a incerteza constante da sua sobrevivência, quase ofegante –, abrindo caminho à algazarra que tem sido a discussão do Orçamento de Estado (OE), para 2025.

Houve já de tudo. Uma série de monos simplórios que rastejam o caminho por onde passa o seu filósofo-rei platónico – um aclamado Cícero, que, sem rei nem roque, perde-se na extravagante inconsistência –, incapazes de esconder o amedrontamento fétido da incógnita incineração da sua fugaz medrança política. A confiança em si, e nos seus obtusos rebarbativos, fora morta à nascença quando a ânsia de se locupletar politicamente esbarrou, em contrapoder, com a mínima exigência democrática imposta pelo regular funcionamento das instituições. Não poderão os discerníveis sentir-se surpreendidos, já que tudo antevia o que por aí andou a acontecer.

Oito anos depois de um governação socialista, a AD volta a apresentar um OE, enfrentando uma Assembleia da República profundamente fragmentada sem que nenhum maniqueísta queira assumir a responsabilidade de estabilizar política, económica e financeiramente um país que é ainda governado com um Orçamento de quem se demitiu há pouco menos de um ano.

Há quem chame à colação, nomeadamente o núcleo duro do atual PS – responsável pelo encaminhamento do partido para as águas fedegosas da esquerda woke –, o voto contra do PSD nos Orçamentos dos últimos 8 anos, servindo, isso, de argumento para sustentar um imaginário e utópico voto contra neste OE para 2025. No infinito da sabedoria popular, o povo responde-lhes: “não é preciso ter lata, é preciso ter um bidão inteiro”.

Recorde-se, a este propósito, simplesmente o que disseram António Costa e Pedro Nuno Santos, nos tempos áureos do PS atado à ortodoxia da esquerda radical – protótipo, aliás, de governação “Pedro Nunista”. “Quando eu precisar do votos do PSD, o Governo cai no dia seguinte” – disse o padre Costa. “A esquerda nunca mais precisará da direita para governar” – disse o apóstolo Nuno.

O PS disse, a respeito do Orçamento de Estado, tudo e o seu contrário, ainda que isso tenha tido como protagonista o delator das vozes discordantes da estratégia seguida por sua majestade. Eis que entra em cena o, até agora, sobrestimado Pedro Nuno Santos – personagem desenfreadamente idolatrada, cujas ideias políticas são conhecidas há muito e onde o fato de Secretário-Geral do PS só assenta na retaguarda de sucessivas modelações, ou melhor dizendo, de sucessivas moderações.

Veja-se:

A 13 de Março de 2024, Alexandra Leitão disse o seguinte: “Em princípio, o PS vota contra os Orçamentos da AD.”

A 15 de Março de 2024, Alexandra Leitão disse o seguinte, no Semanário Expresso: “Moção de rejeição não vamos votar a favor. Mas Orçamentos também não viabilizamos, nem pela abstenção.”

A 15 de Agosto de 2024, Pedro Nuno Santos disse o seguinte, a propósito do OE: “Não chateiem o PS, nós estamos na oposição”.

A 28 de Agosto de 2024, Pedro Nuno Santos disse o seguinte: “O país virou à direita, por isso (ela) que tenha a capacidade de se entender.”

A 6 de Setembro de 2024, Pedro Nuno Santos disse o seguinte: “Deixemos de reduzir o OE a duas medidas (IRS Jovem e IRC). O OE é muito mais do que isso.”

A 14 de Setembro de 2024, Pedro Nuno Santos disse: “É praticamente impossível viabilizar o OE.”

A 24 de Setembro de 2024, Alexandra Leitão, na RTP, disse: “O PS deixou muito claro quais são as suas linhas. (...) Não haverá viabilização do Orçamento com este IRS Jovem e com este IRC. (...) Nós não aceitamos a inclusão do IRS Jovem e do IRC nestes termos.”

A 28 de Setembro de 2024, Alexandra Leitão, no Expresso da Meia Noite, disse: “O IRS Jovem não é negociável”. “Nos discordamos destas linhas vermelhas (IRS Jovem e IRC) e com elas no Orçamento, não o viabilizamos.”

A 17 de Outubro de 2024, Pedro Nuno Santos anuncia que viabilizará o Orçamento de Estado.

Ponto 1) O Chega na sua habitual babilónia de posições, prestou-se à sua própria descredibilização – servindo tudo de desculpa para chumbar, ao mesmo tempo que tudo serviria para aprovar. Mas, pelas declarações do líder parlamentar do PS, e da sua Secretária Geral, perdão – da líder parlamentar e do Secretário Geral –, o PS não ficou aquém da babilónia de posições no OE, e prossegue convictamente com a bafienta tática de alimentar-se do Chega e pressionar o Governo a entender-se com quem o Governo já fez saber não querer entender-se. Chovem, dentro do PS, pacóvios autoproclamados de antifascistas cheios de pureza ideológica e que execram a ingente responsabilidade partidária a que estão ajoelhados. Os socialistas, ou uma parte deles, com um hálito a desespero e aflição, já não escondem a vontade pura e cristalina de atirar o Governo (da AD) para os braços da direita radical, com o único fito de sacudir os deveres democráticos e institucionais que lhes são exigidos – diz muito do (des)apego à democracia sã, e minimamente equilibrada, ainda que imperfeita.

Ponto 2) Pedro Nuno Santos, a certa altura, indignava-se com o facto de um documento da importância do OE, definidor das linhas de ação política do Governo, estar centrado exclusivamente em duas propostas – a descida de IRC e o IRS Jovem. Acontece que foi o próprio a fazê-lo, e inconscientemente contribuiu para aquilo que sempre temeu. Pedro Nuno Santos resistia à viabilização do OE, com medo de que a nuvem que o assombra pudesse um dia vir a cair-lhe em cima – o fardo dos eleitores não serem capazes de distinguir o PS da AD. Ora, estupefactamente as duas linhas vermelhas apresentadas pelo PS para a negociação do Orçamento, que foram objeto de aproximação de ambos os partidos, são exatamente as medidas de política financeira e económica que mais distinguem o PS da AD (e vice-versa) – o que para quem mantinha em si uma preocupação de refutar a ideia de bloco central não deixa de ser paradoxal, no mínimo.

Ponto 3) Pedro Nuno Santos anunciou que viabilizaria o OE e foi aniquilado pelo (mal) subestimado Montenegro, levando Santos a cremar todas as suas convicções, que, na verdade, eram só uma – votar contra este Orçamento de Estado.

No fundo, este não é o verdadeiro Pedro Nuno Santos, é sim, em contraciclo, a personagem de Secretário-Geral do PS encenada por um capataz impossibilitado de derramar na ação política as suas verdadeiras e reais “convicções” – as dele, e as de quem o rodeia.