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Crónicas

Está na hora de recalcular a rota!

Muitos adultos são analfabetos emocionais. Não sabem relacionar-se com as próprias emoções, quanto mais com as dos filhos. É assim que nascem muitos consumos, compulsões e dependências

Há ruído! Excesso de ruído! E não é só à porta dos estabelecimentos de diversão noturna (e das barracas de venda de bebidas alcoólicas) no Funchal (e por aí fora). Há excesso de ruído na cabeça de muitos pais (é nas famílias que tudo começa). Há excesso de vozes. Excesso de crenças limitadoras. Que ecoam e desaguam em irresponsabilidade, pessoal e social. Necessidade (muitas), sobretudo a da validação externa “o que é que o outro vai dizer se eu fizer, se eu não fizer…”

Se já está a sentir uma espécie de borbulhar no estômago, talvez seja hora de parar a leitura desta crónica. É que o que é demais enjoa e não me refiro a uma eventual ressaca provocada por excesso de álcool. Falo sim, do fruto da ignorância em que muitas famílias escolhem (é uma constatação) viver (sim, na era da informação, ser ignorante é uma escolha!), em vez de protegerem o que de mais valioso têm; os filhos!

A semana passada voltei a entrevistar o Dr. Nelson Carvalho. O psicólogo e psicoterapeuta, especialista em adições, defende a linha de atuação dos países mais civilizados da Europa, que de resto vai ao encontro do que também eu defendo, relativamente às saídas à noite dos mais novos. “Crianças antes dos 14 anos não precisam de sair à noite” para festas e afins. Eventualmente, a partir dos 17 e até à meia noite.

Fico sempre curiosa acerca das intenções dos pais que permitem a saída dos filhos, nos fins-de-semana e vésperas de feriados, já perto da meia noite (e até depois), para se juntarem às ‘famosas’ festas noturnas, regadas com muita poncha (e não só!). Bastaria que qualquer pai falasse com um psicólogo (se possível um especialista em adições), um agente da PSP (habituado aos turnos noturnos), médicos, enfermeiros, paramédicos (de serviços de urgência), advogados, juízes, ou até com jornalistas, para ganhar consciência sobre o tema. Faz doer o coração e a alma, garanto!

E tudo isto acorda em mim um desejo antigo, o de que chegue o dia em que só tenhamos de utilizar o termo parentalidade sem a adjetivar de “respeitosa”, “consciente”, “empática”. Enquanto não acontece, uso o termo composto - Parentalidade Generativa (PG). “E o que é a PG e o que tem a ver com o que falei antes?”- Perguntam-me ainda algumas pessoas que só agora começam a despertar para a urgência deste pilar fundamental da sociedade. Resumidamente, é a forma como escolhemos praticar a nossa parentalidade, uma forma intencional, onde optamos como vamos agir, baseada nas nossas crenças e valores (devidamente investigados) e nos últimos avanços da ciência. Sinónimo de assumirmos responsabilidade pessoal e a sã vivência dos nossos estados emocionais. Ora, isto pressupõe que precisamos de desaprender muitos hábitos culturais que trazemos connosco. É que levantar os véus que nos turvam a visão, permite que o amor chegue ao outro lado, sem filtros nocivos.

É um facto que eu sou muito privilegiada por viver, desde sempre, culturas diferentes e é-me fácil perceber que a parentalidade praticada, em geral, é apenas uma questão de hábitos (muitos deles inconscientes) que passam de geração em geração. A ciência também já o demonstrou. Acredito que todos os pais são bem-intencionados - em teoria - que queremos o melhor para os nossos filhos. Mas também é verdade, que ainda são poucos os pais que param e pensam: “se eu quero ter uma boa relação com o meu filho, se eu quero que ele seja empático, respeitador, responsável, será que quem estou a ser na nossa relação é exemplo e vai ao encontro dessa intenção? Será que é isso que ele vai desenvolver, essas capacidades e competências?”

Quando começamos a investigar, facilmente concluímos que se queremos que o nosso filho desenvolva mais empatia, castigá-lo, isolá-lo num quarto, não vai desenvolver essa qualidade. O que vai ajudá-lo a desenvolver empatia, é ele sentir o que é, realmente, a empatia. É ser visto, escutado, reconhecido por quem é. E isto é bem diferente de não haver consequências pelos nossos actos. A PG é diferente de ser permissiva! Os nossos filhos não fazem tudo o que lhes passa pela cabeça, não mandam no dia-a-dia. Os pais continuam a ser os líderes da família. Em igual valor e dignidade. Por isso, aquela conversa de que têm mesmo de ir a esta e àquela festa, porque os amigos vão… Não é bem assim. Aliás, não é de todo. Assim como também não o é, a obrigatoriedade de terem redes sociais (antes dos 16 anos), por exemplo.

O nosso papel como pais não é o de assegurar que os nossos filhos estejam sempre felizes e nós, zen. Podemos ficar zangados, frustrados. Não queremos ser perfeitos, queremos ser autênticos e justos. Não queremos ter razão, queremos fazer o que é certo a cada momento. A grande diferença está entre culpar os nossos filhos pelos nossos estados emocionais, ou assumirmos responsabilidade pelos mesmos.

Devemos mostrar aos nossos filhos o leque de emoções e sentimentos que nos habitam, de forma responsável porque isso é mostrar-lhes que têm sentido, que esses contrastes são necessários e oferece aos nossos filhos, permissão para sentirem o mesmo. E é assim que construímos e nutrimos relações autênticas, onde os nossos filhos crescem com uma autoestima saudável e aprendem ferramentas para lidar com todas as emoções, sem mergulharem em adições.

Que fique claro, de uma vez por todas, que uma das coisas mais valiosas que podemos oferecer aos nossos filhos (e a todos à nossa volta) é a genuína vontade de os ver, reconhecer e compreender. E mais do que respostas ou soluções, é a qualidade da nossa presença, a empatia, a escuta ativa, a atenção, a curiosidade e a vontade de entender o que o outro está a sentir, desejar e precisar que fazem a verdadeira diferença. Muitas vezes, o que as crianças, adolescente, jovens (e os adultos) mais precisam não é de uma solução imediata (que para muitos pais passa por darem luz verde para saídas tardias, ou para a ingestão de bebidas alcoólicas), mas de saber que são vistos, ouvidos e compreendidos. Nem sempre é possível compreender totalmente a experiência da outra pessoa, mas é sempre possível oferecer a sensação de que a sua experiência faz sentido. Isso fortalece os laços, desenvolve a autoestima, promove um ambiente onde os nossos filhos se sentem seguros para expressar quem realmente são e aumenta exponencialmente a vontade de colaborar.

E antes de qualquer coisa, que sejamos, todos, pais e mães intencionais! Só assim poderemos agir de forma mais esclarecida e alinhada. Começar por aí tende a gerar bons resultados. Até porque, intenção é sinónimo de direção, clareza, enquadramento, alinhamento e criação. Com a bússola à mão e muito amor no coração.