Porque falha a Região
O peso das instituições extractivas e a perpetuação do fracasso
1. Há já algum tempo que não falo de livros. Há tanto que hoje até me dou ao luxo de falar de um sobre o qual já escrevi nestas páginas. E tudo a propósito do Nobel da Economia que foi este ano atribuído a Daron Acemoglu, James A. Robinson e Simon Johnson.
A Região Autónoma da Madeira está presa num ciclo de fracasso que, longe de ser acidental ou temporário, resulta de um sistema profundamente enraizado de instituições extractivas. Como bem defendido por Acemoglu e Robinson no seu livro “Porque Falham as Nações”, o destino de qualquer nação, ou neste caso região, é determinado pela natureza das suas instituições políticas e económicas. No caso da Madeira, o fracasso não é inevitável por conta das suas limitações geográficas ou de factores externos, mas porque as suas instituições têm sido desenhadas e mantidas para servir uma elite política e económica que concentra o poder, impede a inovação e suprime qualquer tentativa de mudança. Esta realidade dura é a verdadeira razão de porque falha a Região.
O maior obstáculo ao desenvolvimento da Madeira é a manutenção de instituições extractivas, que são projectadas para permitir a extracção de recursos e poder por uma pequena elite, enquanto a grande maioria da população é excluída dos processos decisórios e das oportunidades de crescimento económico. Na Madeira, as elites políticas, que há décadas dominam a cena governamental, moldam as instituições para garantir a sua própria sobrevivência, em vez de promover o bem-estar geral da população. A centralização extrema do poder na mão de poucos impede a criação de uma democracia autonómica vibrante e de uma economia dinâmica. Ao invés de criar um ambiente inclusivo, no qual o mérito e a inovação possam florescer, as instituições extractivas da Madeira perpetuam uma cultura de dependência e mediocridade.
O poder na Região não circula — está estagnado. E essa estagnação política bloqueia qualquer tentativa de reforma verdadeira. O sistema é construído para que os que já estão no topo lá permaneçam, utilizando todos os meios à sua disposição, desde a manipulação do sector público até ao uso de favores políticos para garantir a lealdade. Tal como Acemoglu e Robinson argumentam, onde as instituições extractivas prevalecem, o fracasso é a regra, e não a excepção.
Um dos aspectos mais perturbadores das instituições extractivas na Madeira é a utilização do sector público como um instrumento de controlo e submissão. O Estado, que deveria ser um facilitador do progresso e desenvolvimento, tornou-se, na Madeira, um agente de estagnação e clientelismo. A dependência de grande parte da população e das empresas locais dos subsídios, ajudas públicas e contratos governamentais significa que qualquer tentativa de desafiar o “status quo” é rapidamente abafada. O Governo Regional criou uma cultura de medo e conformismo, de submissão, onde a inovação e o empreendedorismo, quando não controlados, são vistos com desconfiança, e onde os cidadãos são incentivados a permanecer passivos, à espera que as esmolas lhes sejam entregues.
Este controlo sufocante asfixia o tecido económico da Região. Empresas que poderiam ser líderes em inovação estão, muitas vezes, presas a contratos públicos ou dependentes de apoios estatais que os mantêm numa espécie de servidão moderna. O Estado, ao invés de libertar o potencial do sector privado, tornou-se o principal obstáculo ao seu crescimento. Este modelo extractivo, em que o Estado controla grande parte da actividade económica, é uma das razões fundamentais do fracasso da Autonomia madeirense.
Acemoglu e Robinson alertam para os perigos de recursos externos serem capturados por elites políticas e económicas, um fenómeno que vemos claramente na Madeira através da má utilização dos fundos europeus. Em vez de serem aplicados para fomentar o crescimento inclusivo, esses fundos são desviados para projectos ineficazes ou para beneficiar aqueles próximos do poder. Os cidadãos comuns, que deveriam ser os maiores beneficiários destes fundos, vêem-se constantemente prejudicados por um sistema que favorece os amigos do regime.
A Região está cheia de exemplos de planos inúteis ou subaproveitados, construídos com dinheiro da União Europeia, mas que não trazem nenhum benefício real à população. Ideias pífias que são, muitas vezes, apenas veículos para enriquecer os de sempre, perpetuando a desigualdade e o desperdício. O betão, o betão, o betão. A corrupção e o nepotismo tornaram-se a norma, criando um ambiente onde a confiança nas instituições públicas é completamente erodida.
A situação do sistema de saúde na Madeira é um exemplo emblemático de como as instituições extractivas falham em servir a população. Marcado por ineficiências de gestão e atrasos, o sector público de saúde tem sido utilizado como mais uma ferramenta para garantir a lealdade política (nem que seja por um simples facultar de um número de telefone em troca de um voto), enquanto os cidadãos sofrem com um serviço que não cumpre as suas necessidades. A introdução de Parcerias Público-Privadas (PPP) poderia ser uma solução para melhorar a eficiência e a prestação de cuidados, mas tal só será possível se forem criadas num quadro de instituições inclusivas, que favoreçam a concorrência e a prestação de serviços de qualidade, e não apenas para transferir recursos para um novo grupo de elites empresariais ligadas ao poder.
Na verdade, se as PPP forem implementadas sem uma reforma profunda das instituições políticas, apenas perpetuarão o sistema extractivo, permitindo que novos actores beneficiem dos mesmos privilégios que antes estavam reservados a outros.
Outro aspecto crucial do fracasso da Madeira é a cultura de resignação e complacência, que foi imposta pela elite governante. Tal como em outras sociedades dominadas por instituições extractivas, a Madeira sofre de uma falta de acção colectiva. Os cidadãos, desencorajados a participar activamente no processo político e económico, tornaram-se espectadores passivos de um sistema que os exclui. Reclamamos muito e damos pouco o corpo às balas. Esta ausência de mobilização e de exigência por parte da população é uma das razões pelas quais as verdadeiras reformas nunca ocorrem. O medo de represálias, a cultura de dependência e a falta de alternativas viáveis criaram uma população apática e conformista.
Se a Madeira quiser quebrar este círculo de fracasso, precisa de uma verdadeira e profunda reforma institucional — uma reforma que mude tudo de alto a baixo e que quebre o poder das elites e abra caminho para uma nova era de liberdade, responsabilidade e prosperidade.
2. A Madeira encontra-se numa encruzilhada onde o fracasso, outrora evitável, ameaça transformar-se no seu legado. Que ninguém se iluda: as instituições que têm parasitado esta terra são um flagelo que corrói a esperança e sufoca o génio do povo. Mas, como em todos os momentos críticos da nossa existência, cabe-nos escolher o caminho a seguir. De um lado, a contínua submissão às elites, que se deleitam no conforto da estagnação; do outro, um futuro de prosperidade reservado àqueles que quiserem lutar por ele.
Não podemos permitir que o destino da Região seja decidido pela inércia ou pela cobardia política. A Madeira tem o potencial para brilhar como um farol de liberdade e inovação no Atlântico, mas esse potencial não será alcançado enquanto as suas instituições continuarem a ser o instrumento de um grupo selecto, alheio ao bem comum. A história não perdoará aos que optarem por nada fazer, e nós, não seremos lembrados pela nossa complacência.
É preciso enfrentar o desafio, não com queixas amargas ou desculpas confortáveis, mas com a determinação de quem sabe que o preço do progresso é o sacrifício de velhas maneiras e a construção de novas instituições, inclusivas e justas. É este o apelo, e não haverá desistência, não haverá recuo, até que cada madeirense possa erguer-se como senhor do seu próprio destino. E se tivermos a coragem de nos erguermos, venceremos. Venceremos porque a liberdade e a justiça estão do nosso lado. Venceremos porque o futuro pertence aos corajosos e não aos resignados.
Que a história, então, registe que a Madeira escolheu o caminho do inconformismo, que se libertou das correntes do fracasso e, finalmente, conquistou o seu lugar de direito entre os que pugnam pelo desenvolvimento e pela grandeza.