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Justiça já impôs à AIMA 17 mil agendamentos para imigrantes

Foto Tiago Petinga/Lusa
Foto Tiago Petinga/Lusa

A justiça portuguesa já impôs à Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) 17 mil agendamentos de reuniões com imigrantes, disse hoje o presidente do organismo.

A AIMA teve de criar uma 'task-force' interna para responder a essas notificações, interpostas por advogados especialistas em migrações, afirmou, em entrevista à Lusa, Pedro Portugal Gaspar, que admitiu um "atraso grande por parte da administração no agendamento e nos pedidos de resposta" aos imigrantes.

Mas, salientou, esses atrasos são transversais a outros serviços do Estado, como a área da saúde ou da própria justiça e esse recurso jurídico apenas está a ser utilizado junto da AIMA.

Pedro Portugal Gaspar recordou que o número de estrangeiros em Portugal mais do que duplicou desde 2018, o que trouxe o "problema da dimensão da administração relativamente a essa resposta".

As decisões dos tribunais administrativos visaram "condenar a administração para marcar um agendamento", mas "não foi para decidir sobre o mérito da causa", do pedido processual de regularização, adiantou.

Nesse sentido "foi uma condenação meramente instrumental" para acelerar questões de agenda e hoje "há mais de 17 mil sentenças sempre a condenar a AIMA e não há nada a dizer, naturalmente", porque a organização "não cumpriu em 90 dias o agendamento".

Quando tomou posse, o seu antecessor, Goes Pinheiro, assumiu a liderança de uma estrutura de missão, numa "articulação que tem sido muito bem conseguida", com a "incumbência de resolver o passivo resultante das manifestações de interesse, os tais cerca de 400 mil processos" [por processar no final de 2023] no prazo de nove meses.

A corrida contra o tempo já começou e "pode haver uma resolução burocrática dos processos", mas permanece o "grande desafio que é a verdadeira integração e a realização do migrante no espaço nacional".

Atualmente, a AIMA realiza mil atendimentos por dia e a estrutura de missão realiza cerca de 800, estimando-se que, em breve, poderão existir 2.000 atendimentos diários, na combinação das duas organizações, para fazer face a "um passivo muito grande", afirmou.

Desde a alteração da lei de estrangeiros, em 2 de Junho, nos últimos quatro meses, o número de entradas "corresponde mais ou menos a um mês [de processos] no tempo das manifestações de interesse".

Na segunda-feira, o ministro da Presidência, Leitão Amaro, disse que os pedidos diminuíram 80%, com a extinção das manifestações de interesse.

Com o fim dessa figura jurídica que permitia a um estrangeiro com visto de turista começar a trabalhar e iniciar o seu processo de regularização, "há uma menor entrada de pedidos" de residência, confirmou hoje Portugal Gaspar.

Para o dirigente, as migrações constituem "uma temática milenar" e foi "um assunto que sempre existiu" na história da humanidade.

Sobre a manifestação anti-imigrantes, organizada no domingo pelo partido Chega, Portugal Gaspar recordou que se tratou de um "exercício do direito democrático e de liberdade de expressão" em democracia, mas minimizou a sua importância, preferindo "distender o discurso e o debate para centrar naquilo que é essencial".

E o importante é que há, hoje em dia um "espaço migratório" em Portugal que dá "oportunidade de realização da pessoa humana na procura de trabalho", tal como "os portugueses foram procurar nos anos 1960 o norte da Europa", concluiu.

Ainda à procura da sua identidade

O presidente AIMA admite que a instituição ainda procura a sua identidade e minimizou a perda de funções para a PSP, considerando que se mantém o espírito fundador da organização. "A questão mais de fundo é a execução de uma política integrada de migração, que passe naturalmente, não só pela chegada, regularização, verificação e parte documental" dos imigrantes, mas também a "questão da sua integração", afirmou.

Esse papel "está na mesma entidade?" - questionou, respondendo de imediato: "Está".

Além dessas funções, a AIMA "mantém a parte da proteção internacional [processos de asilo]", cabendo depois à "entidade policial a expulsão" quando o pedido "é infundado".

A AIMA nasceu em 29 de outubro, na sequência da extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e do Alto Comissariado para as Migrações (ACM), concentrando numa única entidade a fiscalização e integração de imigrantes, bem como a verificação administrativa dos seus processos.

Na semana passada, o governo anunciou a criação da Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras dentro da PSP e um novo regime de retorno e afastamento de cidadãos em situação ilegal no país, retirando à AIMA essas responsabilidades.

Pedro Portugal Gaspar, considerou "natural" a opção por uma unidade dentro da PSP, salientando a "cooperação eficaz entre os organismos públicos", como sucedeu na detenção recente de um foragido internacional numa loja AIMA, em Vila Real.

À estrutura cabe "um conjunto de prerrogativas contraordenacionais" e outros casos "são remetidos para as entidades policiais", afirmou Portugal Gaspar, rejeitando que o organismo está esvaziado.

A AIMA "será um bocadinho mais do que o ACM", porque "tem aqui algumas prerrogativas de justiça administrativa que irá exercer", além de manter a administração dos processos de residência e de regularização dos imigrantes, podendo receber ainda a renovação de documentos, atualmente no Instituto de Registos e Notariado (IRN).

"A grande prioridade interna é conseguirmos construir progressivamente uma identidade AIMA, naturalmente com a simbiose dos trabalhadores existentes e com reforços" de pessoal, disse.

Foi um "processo complexo" e Pedro Portugal Gaspar agradeceu "aos mais de 700 trabalhadores da AIMA, porque passaram por momentos de tensão, momentos complicados que resultaram, de facto, da fusão de dois organismos com duas escolas diferentes", uma ligada à fiscalização e policiamento (SEF) e outra à integração de imigrantes (ACM).

Sobre os mediadores culturais - funcionários de associações de migrantes que prestam serviço na AIMA de modo permanente -- Pedro Portugal Gaspar elogiou o seu papel "muito relevante", principalmente no "atendimento das próprias comunidades" e admitiu alterar a sua situação precária.

"Já tivemos oportunidade de dialogar com as associações sindicais da AIMA" sobre a " forma como podemos enquadrar no futuro" as relações laborais.

"As próprias associações sindicais falaram na hipótese de integração ou regularização. Não me choca que assim seja", mas "também não sei se será a vontade dos próprios", afirmou.

O dirigente da AIMA salientou ainda que está a "equacionar maior duração do período de abertura das próprias lojas", com um regime de trabalho por turnos, para dar uma "maior oferta em termos de serviços" aos utentes.