DNOTICIAS.PT
Análise

Façam “um bom seguro”

Ser autarca de freguesia no nosso País é atractivo neste tempo de elevado e legítimo escrutínio e de fácil perseguição e condenação públicas? A pergunta impõe-se a um ano das próximas autárquicas, tanto mais que subsistem dúvidas se os melhores preparados e os mais altruístas estão disponíveis para “a luta” sem tréguas, num contexto adverso, em que o Estado teima em ser centralista, indisponível para atender à diversidade e muitas vezes indiferente aos dramas daqueles que estão na primeira linha do serviço à comunidade.

Ou em que a Região teima em não transferir competências para as juntas, nem com estas rubricar contratos que possam dar-lhes maior margem de manobra no exercício da política de proximidade. A pergunta foi feita durante o VII Encontro Regional de Autarcas de Freguesia, que decorreu até ontem Porto Santo, numa iniciativa da estrutura regional da ANAFRE, em que alguns dos ilustres autarcas das nossas 54 e das mais de 3.091 freguesias de Portugal exortaram a cidadania responsável a fazer um verdadeiro e influente ‘lobby’ pelo denominado “parente pobre da democracia”. O autarca de freguesia é, ou devia ser, o alicerce do edifício democrático e não mero adorno ou saco de pancada num sistema por vezes cruel para com aqueles que dão tudo de si pelos seus, sem folgas, nem mordomias, sem a devida compensação financeira e sem o merecido acompanhamento técnico e jurídico. O que se assiste no conforto do sofá é lamentável, independentemente do emblema partidário ou da independência dos candidatos e dos eleitos, sempre que há desconsiderações abusivas, algumas feitas em público, sempre que há exposições ao ridículo engendradas para liquidar aspirações e sempre que aqueles que se aventuraram a servir o melhor que sabem acabam por ficar tão entregues a si próprios, à mercê de escárnios e difamações e que ainda lhes peçam o impossível, de preferência sem meios. Tudo sem grande incómodo por parte dos maiores beneficiários dos eleitos que toda a gente conhece e sem a revolta orquestrada por parte de uma classe que nem sempre é solidária, já que também se alimenta de azares e de desgraça alheia.

Aos que nos próximos meses vão ponderar a candidatura autárquica, importa que não deixem ficar vaga a cadeira do poder e que a entendam como oportunidade de serviço sublime aos cidadãos; que não deixem morrer a democracia manifestamente ameaçada, nem permitam que os medíocres assaltem a coisa pública; e que não tolerem ser tratados como tapete por parte dos que habitualmente abusam da bondade dos audazes.

Na política, não raras vezes ingrata para quem devia merece maior respeito e carinho, dada a missão entusiasmada pelo bem comum, não bastam boas intenções, primárias de beco e um sem número de exigências burocráticas. É preciso mais. De pouco servirá a quem atinge o limite de mandatos indicar ‘sucessor’ se o sistema não lhe der espaço para a afirmação política, confinando-o a um emaranhado de processos técnicos que o liquidam. De pouco servirá uma ou outra academia política se não houver alunos para formar, nem simpatizantes que ainda se deixem formatar para a novidade e mudança. E de nada servirá o desfile de vaidades e de nomes que, provavelmente na hora de todas as decisões, não estarão na grelha de partida das Autárquicas.

Ou porque por demérito não se qualificaram. Ou porque ninguém lhes deu o apreço devido, apesar de inúmeras qualidades e nenhuma cunha. Ou porque foram vítimas dos profissionais da denúncia anónima, fenómeno crescente no ajuste de contas doméstico, mesmo que eventuais desatenções possam não configurar crime, nem terem rendido qualquer benefício. Não foi por acaso que experimentado político recomendou aos futuros autarcas “um bom seguro”.