DNOTICIAS.PT
Crónicas

O bom, o mau e o pé de lã

As eleições autárquicas são laboratório para arranjos políticos dignos de um filme de ficção científica. Apesar de estarmos a um ano do próximo ato eleitoral, os alquimistas da política madeirense já ensaiam inusitadas fórmulas autárquicas. É o caso de Paulo Cafôfo e a candidatura do PS à Câmara do Porto Santo. No Funchal, Cafôfo terá convidado Luís Bettencourt (atual vereador da oposição) para o segundo lugar da lista candidata à Câmara. A ideia peregrina de escolher o vice antes do presidente, só tem um problema - e se, depois de escolhido, o segundo da lista não agradar ao primeiro?

O bom: Cristina Pedra

Há quem diga que a qualidade de um governante se avalia pela disponibilidade de tomar decisões que, mesmo impopulares, considera necessárias. Não será por acaso que os governos tomam as decisões menos populares no início do mandato e deixam as mais agradáveis para o final. Nesse ranking de governação, Cristina Pedra arrisca-se a ocupar os primeiros lugares da tabela. Decidir pela redução do horário de funcionamento de vários estabelecimentos comerciais no Funchal, e fazê-lo à porta do ano eleitoral, é uma opção reservada a quem coloca as suas convicções muito à frente da popularidade de ocasião. Mais do que o acerto da medida – e sobre isso falaremos adiante –, raros são os Presidentes de Câmara que, com a ida a votos no horizonte, arriscariam um confronto com empresários do seu município. Só esse compromisso com as suas convicções, tão raro na realpolitik autárquica, granjeia reconhecimento a Pedra. Mas serão os novos horários de funcionamento de estabelecimentos e atividades ruidosas necessários? Comecemos pelo início. É inegável, até para os empresários mais afetados pela medida, que a diversão noturna precisa de horários. Aliás, essa necessidade é mais evidente se o ruído for feito onde vivem (e descansam) pessoas. Não se trata, no entanto, de uma escolha entre quem se quer divertir (ou quem quer fazer negócio disso) e quem precisa de descansar. A cidade tem de ter tempo e espaço para todos e é na procura desse difícil e periclitante equilíbrio de vontades que reside o papel da Câmara. Este não será, certamente, um regulamento que agrade a todos, mas, com os contributos da discussão pública que agora se inicia, é bem melhor do que deixar tudo como estava.

O mau: Orçamento do Estado 2025

Para as regiões autónomas, os Orçamentos do Estado têm sempre duas faces: a aritmética e a política. A aritmética é a que resulta da aplicação da Lei das Finanças Regionais e resume-se à aplicação de uma fórmula que determina o valor das transferências do Estado. A política é a que vai além da matemática e depende, essencialmente, de uma vontade expressa de investimento nas regiões autónomas. A título de exemplo, as transferências anuais de solidariedade são aritméticas, pois não resultam de opção orçamental. Já o financiamento do Novo Hospital da Madeira é política, pois o investimento depende de uma decisão prévia do Governo. O Orçamento do Estado para 2025 consegue a triste façanha de ser mau para a Madeira a dobrar. É mau na aritmética e ainda pior na política. Obviamente, não é positiva a redução de transferências - menos 25 milhões € que em 2024 – mas o mais grave é que, passados estes anos todos, ainda não tenha sido possível rever a Lei de Finanças que legaliza a possibilidade do Estado reduzir, de ano para ano, o investimento nas suas regiões insulares. Tendo em conta que nenhum partido está de acordo com a atual lei, é inexplicável por que razão continua a mesma em vigor. Do ponto de vista político, passámos dos orçamentos do Estado que tinham tudo e acabavam em nada para a Madeira, para um Orçamento que, pelo menos para já, não tem nada. É certo que a especialidade ainda pode remediar um início orçamental desastroso. Ainda assim, o que nasce torto raramente se endireita.

O pé de lã: Miguel Silva Gouveia

Com pezinhos de lã, Miguel Silva Gouveia tem feito o seu caminho no Partido Socialista. Raramente em desacordo frontal com a atual liderança, mas sempre com o indisfarçável acinte de quem não esquece a facilidade com que Paulo Cafôfo o culpou da derrota no Funchal em 2021. O primeiro sinal do desalinhamento chegou com a insistência em manter, como vereador da oposição no Funchal, o nome “Confiança” e renegar a marca PS. No início deste ano, alinhou com Carlos Pereira na fundação do Autonomia 24, uma nova corrente de opinião do PS, claramente hostil a Cafôfo. Nas últimas Regionais, e depois dos raquíticos resultados eleitorais do PS, Miguel Gouveia não pediu a cabeça do líder, mas exigiu a renovação da estrutura socialista regional. Em Outubro deste ano, mais um aperto no cerco, cada vez mais estreito, a Paulo Cafôfo. Um conjunto de abnegados socialistas subscreveu o manifesto “Sempre com a Madeira”, extremamente crítico da estratégia e dos resultados da atual liderança. Novamente, Miguel Gouveia não pediu a demissão de Cafôfo, mas deixou o alerta – em caso de eleições internas, ponderaria ser candidato à liderança do PS. Duvido, todavia, que o considere seriamente. A ameaça de disputar a liderança partidária com Cafôfo, foi a forma que Miguel Gouveia encontrou para garantir que será o candidato do PS à Câmara do Funchal. Resta saber se Cafôfo cede à ameaça ou se não quererá, ele mesmo, tentar um regresso desesperado ao único sítio onde venceu eleições.