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Guerra no Ministério Público

Amadeu Guerra foi nomeado Procurador-Geral da República, nomeação que mereceu elogios transversais e que teve, ainda, o mérito de motivar a reação incomodada do antigo Secretário-Geral do Partido Socialista, José Sócrates, que não conseguiu esconder a sua fúria.

Devo dizer que tenho muita confiança nesta nomeação, sempre tão importante para o Ministério Público e para a investigação, para a luta contra a corrupção e contra o favorecimento ilegal. Tão importante para a Justiça que tem um papel fundamental na promoção ou no restabelecimento de equilíbrios naturais que permitem à sociedade respirar com confiança, com esperança e segurança, num processo de evolução genuína e de igualdade de oportunidades. Não terá sido por acaso que o Prémio Nobel da Economia 2024 foi atribuído a três economistas que analisaram “a razão pela qual há países mais ricos do que outros e concluíram que a grande diferença está na qualidade das instituições e na forma como a lei é respeitada. Os países onde a lei é mais desrespeitada tendem a ser países mais pobres”.

É importante assumir uma postura de responsabilidade e de respeito pela lei, de credibilização e dignificação das instituições, isto por forma a inverter a “perceção generalizada”, recentemente divulgada no estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, “de que o fenómeno da corrupção é difuso entre as elites políticas e económicas”, o que lesa “a confiança nas instituições políticas e na democracia”. E é, também, importante sensibilizar a sociedade para as suas responsabilidades nesta matéria, não se podendo conformar com o “tráfico de influências” ou assumir, aceitar e alimentar a “cunha” como fenómeno natural e, muito menos, como uma espécie de “norma social”.

É preciso inverter esta tendência de uma forma absolutamente sensata, serena e natural, em cada ação individual, principalmente de quem tem responsabilidades institucionais. Todos temos de ser cada vez mais transparentes, firmes e exigentes no escrupuloso cumprimento de todos os imperativos éticos e legais. Os comportamentos ilegais não podem ser tolerados e devem ter consequências.

Acredito que a ação firme, justa, consistente e incisiva, muitas vezes cirúrgica, do Ministério Público poderá ser determinante na implementação de novos paradigmas. A sua ação não deve ser diabolizada e tudo deve ser olhado com grande naturalidade, serenidade e, acima de tudo, com a consciência responsável de que não podem existir condenações nem absolvições instantâneas. A Justiça não pode contribuir para o ruído ou para a instabilidade pública. Tudo se deve concentrar num processo blindado, imperturbável, que trata a vida de pessoas que não podem ser linchadas na fúria irracional do desconhecimento ou do interesse colateral menor. Ninguém está abaixo da lei. E tudo faz parte de um processo que não pode ter qualquer sombra kafkiana. Tudo tem de assentar em factos concretos. O processo penal nada tem de isotérico. Sou contra a impunidade instalada, mas sou, também, contra a precipitação. Sou pela consistência, pela segurança e pela responsabilidade onde a margem de erro é quase nula: na investigação, na detenção, na acusação ou no arquivamento, na condenação ou na absolvição final. Todo o erro deve ter responsáveis e consequências. Ninguém está acima da lei. Defendo o recato, a prudência, o tempo e o espaço da Justiça. Para a Justiça não há intocáveis, não há terrenos proibidos, nem pode haver incursões anunciadas. Sou pelo segredo de justiça. Do que se trata é da vida de pessoas que nunca deixam de ser pessoas.