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Fact Check Madeira

O jardim do Madeira Tecnopolo sempre foi "mal-amado"?

Esta semana tiveram início trabalhos de geotecnia nos Jardins do Tecnopolo, ao que tudo indica relacionados com o projecto de construção de duas torres para a ARDITI e a Startup Madeira.  Ver Galeria
Esta semana tiveram início trabalhos de geotecnia nos Jardins do Tecnopolo, ao que tudo indica relacionados com o projecto de construção de duas torres para a ARDITI e a Startup Madeira. , Foto Hélder Santos/ASPRESS

Os jardins que rodeiam o edifício do Madeira Tecnopolo e da Universidade da Madeira (Campus Universitário da Penteada), que são pertença do Governo Regional, voltaram à ordem do dia, não pela sua biodiversidade, que foi sempre apontada como uma das suas mais-valias, mas porque estará iminente a destruição de uma parte desta área verde.

O ‘alarme’ soou com Miguel Sequeira. O professor da Universidade da Madeira, numa publicação na rede social Facebook, disse mesmo que “assim se prepara a destruição do único espaço verde do Tecnopolo”, acrescentando que “a Universidade [da Madeira] perde um jardim mal-amado, mas com uma enorme diversidade de árvores importantes, algumas únicas”.

Mas será este um jardim realmente “mal-amado”? À parte o projecto que possa ali nascer, vamos procurar confirmar se, ao longo de pouco mais de duas décadas de existência, este jardim mereceu ou não os melhores cuidados da parte das entidades que teriam a responsabilidade de o gerir.

A ideia de construção de um Jardim da Biodiversidade nos espaços envolventes ao Madeira Tecnopolo começou a ser falada publicamente em meados dos anos 90 do século passado, quando o Governo Regional, então liderado por Alberto João Jardim, apresentou um projecto para a requalificação de toda a secção do vale da Ribeira de São João, entre a Penteada e as instalações da Renault, implicando a actualização do Plano Director Municipal para aquela zona.

A criação de um grande pólo científico, com parque de ciência e tecnologia, a que se juntavam áreas de desporto e lazer, chegou a ter uma empresa árabe como parceira, originando a sociedade ‘Madeira Knowledge City’. Mas praticamente tudo o que fora projectado para os 46 hectares não passou da maquete.

O Jardim da Biodiversidade poderá ser visto como uma das excepções (a que se junta a piscina olímpica e o Arquivo Regional, que também faziam parte do projecto inicial), ainda que se tenha deparado com várias contrariedades ao longo dos tempos.

Esse espaço verde foi idealizado para uma área com dois mil metros quadrados, albergando plantas dos cinco continentes e uma estufa fria, para a qual chegou a estar previsto um restaurante. Inicialmente, a área das plantas deveria ser dividida em cinco partes, correspondendo a cada um dos continentes.

O jardim ganhou forma entre 1996 e 2002. Pelo meio foi contruído o edifício onde ainda hoje funciona a cantina da UMa. De acordo com um levantamento feito por Raimundo Quintal, concluído em 2005, ali existiam 553 espécies (especificamente 518 espécies, 11 subespécies, 8 variedades e 16 híbridos), pertencentes a 124 famílias e 378 géneros, conjunto que o geógrafo madeirense classifica de “riquíssimo património florístico”, numa publicação na mesma rede social, onde critica o “propositado abandono daquele espaço verde” ao longo das duas últimas décadas.

Prova do que Raimundo Quintal diz ser “indiferença, o desleixo e a falta de vergonha” na manutenção daquele jardim será, certamente, as inúmeras ocasiões em que a comunicação social regional deu conta do mau estado em que se encontrava aquele espaço, com lixo ou sem qualquer cuidado.

Em Julho de 2006, por exemplo, o DIÁRIO noticiava que os “Jardins do Tecnopolo caem no abandono”, apontando o grande investimento feito na diversidade florística, mas que à data não era valorizada, tal era a degradação do jardim e a quantidade de plantas infestantes e matagal ali existente.

Nessa ocasião, a nossa reportagem denunciava uma “guerra de capelas” entre o Madeira Tecnopolo e a Universidade da Madeira na gestão/manutenção do jardim, sem que uma das duas entidades apontasse a quem competia a coordenação dessa acção. Inclusive, nessa data, a empresa que tinha sido contratada para fazer esse trabalho não recebia o pagamento devido, e o contrato acabou revogado.

Anos mais tarde, para dar outro exemplo, em Maio de 2021, este jardim voltava a ser notícia nas páginas do DIÁRIO. A peça “Jardim da Universidade em “estado lastimável”” fazia eco das denúncias apontadas por Raimundo Quintal, que afirmava que aquele espaço verde já tinha perdido mais de 50% das espécies que haviam sido inventariadas 16 anos antes.

Lixo, matagal e árvores mortas eram apenas alguns dos problemas apontados pelo investigador. Dizia mesmo que tudo isto acontecia “perante o olhar indiferente da Academia, a inoperância do Magnífico Reitor, que há muito tempo tem responsabilidades na gestão da UMa, e a negligência da Secretaria do Ambiente, que tem o dever de preservar espécies notáveis que para ali foram transplantadas do Jardim Botânico e dos jardins da antiga Matur”.

A juntar a tudo isto: o empobrecimento do conjunto de espécies da Flora da Madeira, o desaparecimento do orquidário, entre outras maleitas.

Um ano depois, em 2022, Miguel Albuquerque apresentava, junto à cantina da UMa, o projecto do novo edifício, que ali pretendem contruir, juntando a ARDITI - Agência Regional para o Desenvolvimento da Investigação, Tecnologia e Inovação e a Startup Madeira. A obra tem um custo estimado de 19 milhões de euros.

O edifício deverá ter duas torres, uma para a ARDITI e outra para a Startup Madeira. Contará ainda com estacionamento para 140 carros e uma ponte com contacto para o lado da ribeira. As previsões apontavam para o lançamento do respectivo concurso no primeiro semestre do ano passado, o que não aconteceu.

Esta semana, Miguel Sequeira deu conta de alguma ‘movimentação’ na zona do jardim para onde estão projectadas as duas torres. A colocação de maquinaria e de um contentor naquele espaço, com identificação de uma empresa nacional especializada em geotecnia e obras subterrâneas poderá iniciar que estão a ser feitos estudos ou trabalhos preparatórios para qualquer intervenção.  

Pelo meio destes três momentos, muitas outras notícias foram feitas, dando conta da falta de limpeza, da falta de rega ou da morte de várias plantas. Tudo sinais de que, por razões várias, este jardim raramente mereceu o tratamento/cuidado devido. Conclui-se, por isso, que tem razão o professor da UMa, que já foi director regional de Florestas e presidente do Instituto das Florestas e da Conservação da Natureza, quando diz que este é “um jardim mal-amado”, considerando-se verdadeira a sua afirmação.

Será o Jardim da Biodiversidade, no Madeira Tecnopolo, um espaço verde "mal-amado" como apontou, esta semana, Miguel Sequeira?