O simbolismo de uma lareira
O prazer de uma lareira representa para mim o Inverno bom. Sim, há um Inverno mau, o da chuva e do vento quando andamos na rua de um lado para o outro, o tempo que nos afeta o tempo, quando temos pressa de chegar. Não a chuva que bate à janela quando estamos em casa com todo o tempo do mundo, centrados no nosso conforto e bem estar mas sim a que nos limita e nos teima em acinzentar os dias só com a coloração do céu. Lá em casa dos meus pais, já toda a gente sabe que quando eu chego a lareira se vai acender. Há qualquer coisa de mágico na relação que estabelecemos com os outros à volta dela mas também a sensação reconfortante que o calor de um aquecedor mesmo que bem mais produtivo, não consegue substituir. Não existe aliás sítio algum onde eu mais goste de escrever nem espaço onde me sinta mais em casa, mais aconchegado. Sou capaz de passar ali um dia inteiro, a alimentar-me do ritual de ir acrescentando mais uma cavaca, de me conseguir desligar um pouco do que se passa lá fora, acompanhado pelos meus e por um copo de vinho Madeira.
Há elementos com que nos vamos confrontando, no decorrer das nossas vidas e que nos transmitem coisas boas ou más sem termos que pensar muito nelas. Talvez seja o reflexo de experiências passadas, de anteriores recordações. A lareira a mim remete-me para os momentos em família, a época do Natal, amigos à volta de uma mesa entretidos entre jogos e brincadeiras ou tão só a ler um livro ou a ver um filme. Traz-me o cheiro a caruma queimada e as castanhas assadas. Se eu sempre fui mais do calor e do bom tempo, é nela que me equilibro, onde consigo mais espaço para pensar e para viver mais em mim sem a loucura ou a velocidade que muitas vezes nos impede de perceber a razão das coisas. Um princípio de noite com um copo de vinho e uma boa conversa a sentir o crepitar da lenha é daqueles poucos prazeres que não se alteram com a idade nem se transformam por alguma limitação que nos possa trazer o passar dos anos.
Se dizem que o Verão é emoção e o Inverno razão, se um é mais superficial e outro mais profundo, talvez seja esta a altura mais propícia para nos reencontrarmos e conseguirmos absorver mais o que nos rodeia, nos momentos mais simples mas nem por isso menos especiais. A lareira ajuda-nos também a combater a solidão que se acerca com mais intensidade quando os dias são mais pequenos e taciturnos, quando as pessoas têm mais vontade de recolher cedo para casa e de não andar tanto na rua. Esses tempos de partilha, com os que mais gostamos de ter ao nosso lado, ganham naturalmente um sabor único e são fundamentais para que possamos libertar um pouco da pressão emocional e psicológica que o dia a dia nos provoca. Não devemos por isso deixar de viver quando a meteorologia não parece ajudar nem nos deixarmos aprisionar por sentimentos mais depressivos.
É por isso que uma lareira pode significar, por mais estranho que possa parecer, essa companhia que nos “aquece” por dentro, que instiga o relacionamento e que não nos deixa sozinhos. Que nos conforta o espírito e nos permite relaxar, colocar a vida em perspectiva, mesmo quando há tanto que nos preocupa e parece não fazer sentido. Por vezes são as coisas que à primeira vista parecem mais insignificantes ou supérfluas que nos devolvem a vontade de viver e de nos sentirmos felizes mesmo na tranquilidade. E isso só pode ser bom. Infelizmente vai-se perdendo o hábito nas grandes cidades, por falta de espaço e de sentido prático, substitui-se por outros sistemas mais modernos mas que não nos trazem esta sensação única que nos acalma e nos preenche.