Será verdade que os presos da Cancela vão poder telefonar para as linhas eróticas?
A ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, anunciou, ontem, no Funchal, que os reclusos da cadeia da Cancela vão ser abrangidos pelo projecto-piloto nacional que vai permitir a instalação de telefones fixos nas celas. O concurso para a instalação de equipamentos está “praticamente terminado” e a medida “vai efectivamente avançar” nos próximos seis meses. Esta notícia da RTP provocou vários comentários de indignação nas redes sociais, com algumas pessoas a dizerem que “hoje em dia é um luxo estar preso” e que os reclusos vão ter direito a “ligar para as linhas eróticas” e para os concursos de televisão com chamadas de custo acrescentado. Será mesmo assim?
Há muitos anos que as cadeias portuguesas dispõem de cabinas telefónicas em espaços comuns, para que os reclusos possam contactar os seus familiares e amigos. Mas no início do ano 2020 o Governo da República lançou um projecto-piloto para a instalação de telefones fixos dentro de celas das cadeias de Tires e Linhó. Na altura, o director-geral dos Serviços Prisionais, Ríomulo Mateus, explicou que a medida era inspirada no modelo prisional de França e que visava reduzir o tráfico de telemóveis, as tensões entre guardas e detidos e o número de suicídios nas cadeias. Por outro lado, evitavam-se aglomerações nas filas para acesso às cabinas telefónicas das prisões e preveniam-se situações de tensão durante o tempo de espera, contribuindo assim para a manutenção da ordem, segurança e disciplina nos estabelecimentos prisionais. A experiência teve uma avaliação favorável e o executivo nacional decidiu implementá-la em todos os estabelecimentos prisionais.
Ontem, na visita à cadeia da Cancela, a ministra Catarina Sarmento e Castro insistiu nas virtudes da medida: “Uma pessoa em situação de reclusão que possa utilizar o telefone fixo num horário que é mais conveniente para falar com a sua família é uma pessoa que continuará integrada e que terá um apoio quando sair. Além do mais, diminui naturalmente os conflitos. Portanto, é bom também para os guardas prisionais”.
Mas será que se confirmam as suspeitas dos cidadãos de que os presos vão poder telefonar sem qualquer tipo de restrições? A resposta é negativa. Há regras e limites nas chamadas que os reclusos vão poder efectuar a partir das celas, que foram fixados em Setembro de 2021, através de uma alteração legal ao Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais. Desde logo, aquele diploma veio permitir a instalação de telefones fixos nas celas e não telemóveis, já que estes últimos seriam mais difíceis de controlar.
Através desses equipamentos, as pessoas privadas da liberdade podem efectuar chamadas telefónicas pessoais para o exterior (para números previamente aprovados), com a duração de, pelo menos, 15 minutos por dia, bem como para o seu advogado ou solicitador e para os números de interesse público, com a mesma duração. O director da cadeia pode também autorizar os reclusos, a expensas suas, a realizar três telefonemas por semana em telefone da rede fixa, com duração não superior a 10 minutos cada. Pode ainda autorizar os presos, em regime aberto no exterior e no interior, a utilizar telemóvel nas deslocações ao exterior. Pode também autorizar a realização de comunicações por videochamada em determinadas situações. Por exemplo, quando a pessoa privada da liberdade não receba visitas frequentes. As comunicações por videochamada são realizadas exclusivamente através de equipamento do estabelecimento prisional.
Em resumo, não é verdade que os reclusos vão poder ligar para linhas eróticas ou efectuar chamadas de valor acrescentado a partir dos telefones fixos que serão instalados nas suas celas. Tais equipamentos poderão ser utilizados para ligar apenas para um número limitado de contactos e carecendo de autorização prévia do director da cadeia.