Acabou o recreio. Ou talvez ainda não…
É difícil explicar a quem olha para nós de fora que daqui a um mês vem o Carnaval
A placa está quase a fechar as portas das barracas. O fogo foi lindo. Sem aquele fumo dos outros anos que nos fazia lembrar o nevoeiro do Fanal nos dias bons. Mas sem a parte das árvores. Falta-nos partir o bolo-rei, que este fim de semana vai ser motivo para muita lamentação abdominal. Toda a gente se arrepende do que comeu no último mês, mas emborca mais umas fatias (no trabalho, em casa, em casa dos amigos) a rezar para que não lhe saia a fava. Se sair, não há problema, para o ano há mais.
Voltámos ao trabalho e estivemos dois dias a desejar bom ano aos outros, a falar do fogo e do trânsito da noite de fim de ano, dos carros estacionados dentro do túnel dos bombeiros em cima dos passeios (já vi multarem por muito menos) e prometemos que vamos varrer os armários a casa de um e de outro para acabar com os licores, as broas e tudo o que fez encolher a nossa roupa na Festa.
Ser madeirense é isto. É trabalhar e ter tempo para dois dedos de conversa, porque não perdemos horas para chegar a uma autoestrada ou a uma ponte onde passamos horas. Ser madeirense é ter fôlego para festas todos os meses e aguentar firme o Santo Amaro que aí vem e que muitos não sabem se é a última festa da Festa ou a primeira da ronda seguinte. Ser madeirense é isto. Trabalhar e poder divertir-se. Não conseguimos explicar a quem vem de fora que não somos uns baldas, mas que somos felizes, porque temos a sorte de viver num lugar que nos traz no fim do mês de Janeiro o panelo, um cozido à portuguesa onde tudo é jogado para cima de uma toalha. Semilha, couve, chouriço e carnes caem numa espécie de tudo ao molho e fé em Deus no Chão da Ribeira, onde é preciso acesso VIP. Parece que só vai quem está na “guest list”. Parece tão difícil como entrar no Savoy no fim de ano. A coisa está de tal forma que os donos dos palheiros já fazem uma festa vedada a convidados no outro fim de semana, para ter a paz e o sossego de antigamente.
E é difícil explicar a quem olha para nós de fora que daqui a um mês vem o Carnaval e que as trupes já andam a ensaiar as coreografias para percorrer a avenida do costume. E que depois vamos em debandada para o Porto Santo nas pontes dos feriados, que já esquematizámos no calendário de secretária em Dezembro de 2023, que vamos ao rali e depois vamos para o Porto Santo outra vez.
Por enquanto cruzamo-nos nos corredores do trabalho e suspiramos uns para os outros, com a mão no estômago, a deitar doces pelos olhos e gordura pelos ouvidos. Invadimos as lojas de desporto à procura de uma roupa fit para ir para o ginásio nos próximos dois meses, porque depois começam as festas e não temos tempo para atividades que dão uma trabalheira. Atividade física, só se for às seis da manhã. E mesmo assim…