O tempo da Justiça
Os interrogatórios aos suspeitos de corrupção na Madeira começaram uma semana depois da detenção. E só depois de juízes e advogados manifestarem preocupação pela demora
Boa noite!
Que o tempo da Justiça é lento já todos sabíamos. Que tamanha demora, logo no primeiro acto processual, viole a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem é preocupante. Que o impasse possa comprometer o apuramento de toda a verdade é grave.
O tempo da Justiça é tão lento que no caso da investigação judicial na Madeira foram tornadas públicas algumas escutas sem que os três detidos tivessem sequer a oportunidade de começar a ser interrogados.
O tempo da Justiça é tão lento que na sociedade do consumo imediato e nos casos de mediatização garantida, mesmo que o código deontológico indique que “o jornalista deve salvaguardar a presunção de inocência dos arguidos até a sentença transitar em julgado”, os indivíduos suspeitos ou sobre quem recai acusações não escapam a julgamentos prévios na praça pública.
O tempo da Justiça é tão lento que mesmo que os advogados tivessem prescindido da leitura exaustiva dos factos, o que habitualmente o juiz de instrução agradece, Pedro Calado, Avelino Farinha e Custódio Correia tiveram que ouvir de pé e em sentido o que já conheciam. A leitura do despacho de indiciação durou quatro horas pelos vistos dispensáveis que bem podiam ser aproveitadas para ouvir o contraditório, diligência essencial para evitar condenações arbitrárias.
O tempo da Justiça é tão lento que até o director nacional da Polícia Judiciária lamentou os vários dias que os três detidos já contam sem conhecerem as medidas de coacção, embora sem conseguir apontar soluções para a situação, por não haver outro formalismo constitucional ou de processo penal que possa mitigar uma situação destas".
O tempo da Justiça é tão lento que o Conselho Superior da Magistratura manifestou hoje estar “preocupado” com a demora nos primeiros interrogatórios judiciais, admitindo estudar “soluções práticas” para fazer face à limitação de um direito constitucional dos arguidos e sugeriu mudanças na lei.
O tempo da Justiça é tão lento que a Ordem dos Advogados emitiu também hoje um comunicado em que constata haver cidadãos detidos por vários dias “sem que o interrogatório seja concluído num prazo razoável e proporcional”, o que considera não ser aceitável, tanto mais que estamos perante uma actuação “frequente e banalizada”.
O tempo da Justiça é lento para que a mesma se faça sem precipitações, sem deixar pontas soltas e sem incorrer em erros processuais. Mas será que a inacreditável demora contribui para a necessária serenidade dos que serão alvo de interrogatórios que podem durar dias? Será que o apuramento da verdade sem comprometer a dignidade e a integridade dos cidadãos é assim salvaguardado? Será que a humilhação evidente em vários casos é uma rebuscada tentativa de antecipar penas?