Tribunal da ONU rejeita maioria de queixas contra apoio russo a separatistas
O Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) rejeitou hoje grande parte de um caso, apresentado pela Ucrânia, denunciando a Rússia por financiar separatistas no leste do país e discriminar a comunidade multiétnica da Crimeia desde a anexação da península.
O TIJ, a mais alta instância judicial da ONU, decidiu que Moscovo violou artigos de dois tratados -- um sobre financiamento do terrorismo e outro sobre erradicação da discriminação racial --, mas rejeitou vastas reivindicações de Kiev ao abrigo dos acordos internacionais.
No entanto, segundo o TIJ, a Rússia violou uma das ordens do tribunal ao lançar a sua invasão em grande escala na Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022.
O tribunal, sediado em Haia, nos Países Baixos, rejeitou o pedido da Ucrânia para que Moscovo pagasse indemnizações pelos ataques no leste da Ucrânia atribuídos a rebeldes ucranianos pró-Rússia na última década, incluindo a queda do voo 17 da Malaysia Airlines em 17 de julho de 2014, que matou todos os 298 passageiros e tripulantes.
A Rússia nega envolvimento no caso, mas um tribunal neerlandês já condenou dois russos e um ucraniano pró-Moscovo em novembro de 2022 pelos seus papéis no ataque e condenou-os, à revelia, a prisão perpétua.
Os Países Baixos e a Ucrânia também processaram a Rússia no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por causa do voo MH17.
A decisão final, juridicamente vinculativa, foi a primeira de dois acórdãos esperados do TIJ relacionados com o conflito de uma década entre a Rússia e a Ucrânia, que levou a uma guerra total entre os dois países há quase dois anos.
O acórdão dos juízes de Haia centrou-se na violação pela Rússia da Convenção Internacional para a Eliminação do Financiamento do Terrorismo e da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial.
A presidente do TIJ, Joan Donoghue, lembrou que este é um caso distinto daquele iniciado em 2022 por Kiev, que acusou Moscovo de "manipular a noção de genocídio" contida na Convenção sobre Genocídio (1948) para "justificar a agressão" na Ucrânia desde 24 de fevereiro de 2022.
"A situação na Ucrânia é hoje muito diferente da que era quando a Ucrânia iniciou este caso em janeiro de 2017. As partes estão agora envolvidas num conflito armado que levou a uma enorme perda de vidas e a um grande sofrimento humano", disse Donoghue, que sublinhou que este caso se concentra apenas na violação dos artigos das respetivas convenções internacionais.
Mas a juíza lembrou que, já em abril de 2017, exigiu às partes, como medida cautelar, que "se abstivessem de praticar qualquer ação que pudesse agravar a prorrogação do litígio perante o tribunal ou dificultar a sua resolução".
A magistrada lamentou que a Rússia tenha reconhecido as repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, no leste da Ucrânia, como "estados independentes" e depois "lançado o que chamou de operação militar especial" em fevereiro de 2022, violando as medidas de precaução.
"Na opinião do Tribunal, estas ações minaram gravemente os fundamentos da confiança mútua e da cooperação e, portanto, tornaram o litígio mais difícil de resolver. Por estas razões, o tribunal conclui que a Rússia violou a obrigação contida na ordem de abster-se de qualquer ação que pudesse agravar o litígio", afirmou.
Da mesma forma, a TIJ considerou que a Rússia "violou a sua obrigação" para com a Convenção Internacional para a Eliminação do Financiamento do Terrorismo "ao não tomar medidas para investigar os factos contidos nas informações recebidas da Ucrânia sobre pessoas que alegadamente cometeram um crime" contra o tratado que proíbe o financiamento do terrorismo.
Além disso, determinou que Moscovo também violou a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial "pela forma como implementou o seu sistema educativo na Crimeia depois de 2014 no que diz respeito ao ensino escolar na língua ucraniana", ou seja, ao impedir línguas não russas em escolas.
Nas audiências no TIJ no ano passado, um advogado da Ucrânia, David Zionts, disse que as forças pró-Rússia no leste da Ucrânia "atacaram civis como parte de uma campanha de intimidação e terror" e que "o dinheiro e as armas russas alimentaram esta campanha".
O tribunal, no entanto, decidiu que o envio de armas e outros equipamentos não constituía financiamento do terrorismo, de acordo com o tratado internacional.
O TIJ deverá decidir na sexta-feira sobre as objeções da Rússia noutro caso aberto pela Ucrânia logo após a invasão das tropas russas em 24 de fevereiro de 2022.
Kiev alega que Moscovo lançou o seu ataque com base em alegações forjadas de genocídio. O tribunal já emitiu uma ordem provisória para a Rússia suspender a invasão, mas que Moscovo desrespeitou.