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Crónicas

O que andámos para aqui chegar

1. A operação “Esquecemo-nos de lhe dar nome” investiga “factos susceptíveis de enquadrar eventuais práticas ilícitas, conexas com a adjudicação de contratos públicos de aquisição de bens e serviços, em troca de financiamento de actividade privada; suspeitas de patrocínio de actividade privada tendo por contrapartida o apoio e intervenção na adjudicação de procedimentos concursais a sociedades comerciais determinadas; a adjudicação de contratos públicos de empreitadas de obras de construção civil, em benefício ilegítimo de concretas sociedades comerciais e em prejuízo dos restantes concorrentes, com grave deturpação das regras de contratação pública, em troca do financiamento de atividade de natureza política e de despesas pessoais”. Ou seja, um esquema brutal de possível corrupção de que, a ser verdade, Miguel Albuquerque e Pedro Calado só podem ser a ponta do icebergue.

Nas primeiras horas foi fácil entender que a coisa só podia ser de grande envergadura. Transportes militares, centenas de pessoas vindas de Lisboa, entre agentes da PJ, Juízes de Instrução Criminal, magistrados do Ministério Público, elementos da PGR. Buscas na Madeira, Porto, Lisboa e Açores. Centenas de milhões de euros no centro deste furacão.

E, no entanto, e independentemente dos suspeitos, não posso dizer que tudo isto me tenha espantado. E como eu, muitos. A percepção social de que estas coisas existem só não é vista por quem não quer, vivendo numa bolha e ouvindo sempre o que dá jeito.

No entanto é nossa responsabilidade refrear entusiasmos e deixar os processos seguir o seu curso. Estamos perante questões delicadas e multifacetadas, que exigem uma análise cuidadosa e baseada em princípios legais claros.

Como acérrimo defensor da democracia liberal, estarei sempre do lado dos que defendem o primado da lei, apoiados no princípio da presunção de inocência, um pilar fundamental dos sistemas jurídicos democráticos, que garante que qualquer pessoa acusada de um crime é considerada inocente até que a sua culpa seja legalmente comprovada num processo justo e aberto.

Da mesma maneira que defendo estes primados de forma inequívoca, entendo também que, quando colocados perante casos desta dimensão, os protagonistas políticos devem afastar-se do exercício das suas funções. Porque assim o determina a ética.

2. Durante anos, desde sempre, o PSD arrasou quem pedia clareza, transparência, mecanismos de verificação e aferição da gestão da “coisa pública”. Não passaram duas semanas quando apresentámos uma iniciativa para implementação de um Portal da Transparência, que verificasse todos os procedimentos ligados à aplicação de fundos comunitários, e, como seria de esperar, fomos acusados de desconfiança, de mentir, de vilipendiar, de difamar. Verdadeiras virgens ofendidas, corolários da boa governança, da limpidez e da sinceridade, ou seja, o rame-rame do costume da parte do PSD, do CDS e do “todo-poderoso” PAN. Uma semana depois, o devir dos dias deu-nos razão.

Mas ainda há mais, uma semana antes, em relação a um projecto que recomendava ao Governo que abandonasse a ideia peregrina de um Teleférico no Curral das Freiras, foi o mesmo. Agora faz também parte do rol do que está a ser investigado. Dessa vez o papel da parte ofendida coube ao PAN. O PAN, dono “todo-poderoso” das preocupações e causas ecológicas, que trata como lhe convém, que reprovou a possibilidade de os pescadores de atum poderem exercer a sua arte na zona de reserva parcial das Selvagens, usando a não invasiva técnica do salto e vara. O PAN, dono “todo-poderoso” das preocupações e causas ecológicas, que trata como lhe convém, que em relação à Freira da Madeira, e do impacto do teleférico sobre as zonas de nidificação desta espécie protegida, não teve o mesmo cuidado. Que se lixe a Freira.

O PAN conseguiu, e que ninguém se deixe iludir, em menos de quatro meses, incorporar tudo o que de mau tem a política madeirense, tudo o que de mau nos trouxe até aqui, tácticas e políticas velhas de quase 50 anos. O PAN ainda não percebeu que o maior problema da Madeira são os seus “Cavaleiros Andantes”, aqueles que vêm, sistematicamente, em sua defesa na Assembleia Regional sempre que as suas posições, incongruentes e contraditórias, são postas em causa. Nunca se viu o mesmo em relação ao CDS. Das duas, uma: ou os “paladinos” entendem que o CDS se sabe defender, ou então estes “nobres valorosos” não reconhecem no PAN a capacidade de o fazer.

Mónica Freitas está feita numa espécie de “Santinha da Assembleia”. Sempre que fala oferece-nos uma verve escorreita, um discurso quadrado e benfazejo. Que “o que temos já é suficiente”, que “está tudo certo”, que “está tudo bem”, que “a estabilidade”, que “blá-blá-blá”. De tal maneira embeiçada pelo poderzinho que lhe deram, que nem sente o cheiro indiciador de que “há algo de podre no Reino da Dinamarca”.

Se não fosse o “vertical” PAN o que seria de nós. Foi o PAN que nos salvou do temível Albuquerque. Se não fosse o PAN ficávamos ingovernáveis. Se não fosse o PAN o Orçamento da Região para este ano era um desastre: não tinha os 300 mil euros para o Centro de Juventude do Caniço (Câmara de Lobos leva 4 milhões para um pavilhão); não tínhamos o passe único (que já estava mais do que previsto); o que seria dos animais de companhia sem o apoio à esterilização de todos os animais (mesmo tendo votado contra uma proposta nesse sentido apresentada na ALRAM). E o que dizer da bendita Taxa Turística Regional, que caiu depois dos municípios terem decidido avançar com as municipais, deixando um buraco de 10 milhões de euros no Orçamento. E a avaliação do processo das Ginjas e do Teleférico? Por muito pouco se trocam.

O PAN parece a orquestra do Titanic. O barco afundava e a orquestra tocava. Há por aí alguém que me consiga enumerar o que é que a Madeira e os madeirenses ganharam com este noivado? Conversa vazia, medidas de pataco e a ajuda na manutenção de algo politicamente insustentável.

Ao longo destes dias não ouvimos, com a excepção de Miguel Albuquerque, ninguém do PSD falar do que se passa. Não comentam, fingem que não ouvem e que não vêm. Coube ao PAN fazer as “honras” da casa, tentando defender a honra perdida. Afinal o PAN é que manda nisto tudo. Num par de meses estes pseudo-ecologistas animalistas, tornaram-se nos donos disto tudo. Tomaram conta das primeiras páginas dos jornais, da abertura dos noticiários, presença constante nas televisões. Nunca tão poucochinho valeu tanto.

O PAN é, neste momento, um factor de instabilidade por mais que arengue que é a estabilidade que procura. Porque perpetua o que não devia, porque ao lado do problema e não das soluções.

De que é que o PAN tem medo? Da decisão dos eleitores? É ridículo alegar que não quer ir a eleições com medo das escolhas do eleitorado, com medo de que a extrema-direita aumente a sua votação. Em democracia temos de estar sempre prontos a aceitar a superior decisão dos eleitores. Mesmo que essa não nos convenha. Mónica Freitas não pode dizer que não quer eleições por corrermos o risco de os madeirenses elegerem mais deputados do Chega. Menoriza as escolhas, e deixa claro que sempre que houver a possibilidade de um avanço de uma força política de que não gosta, é contra eleições. Eu não tenho medo da extrema-direita, como não tenho medo da extrema-esquerda, não tenho medo de populismos, venham eles de onde vierem. Mesmo do PAN. Combato todos em nome da democracia liberal.

O PAN tem medo das eleições por causa do resultado que pode ter, ao ter abastardado o seu eleitorado depois das eleições de Setembro passado.

Tenho da política a ideia de algo sério. Feita por gente séria. Seriedade e política têm de andar de mãos dadas. Vivemos um tempo do “vale tudo”. Uma espécie de MMA, onde até se pode “tirar olhos”. A ética e a moral são assassinadas todos os dias por estes protagonistas, E há quem lave as mãos despudoradamente. Haja paciência.

3. Como é sabido, uma das nossas primeiras iniciativas, foi a de apresentar uma proposta de Decreto Legislativo Regional para que se criasse um Portal da Transparência onde, publicamente, fosse possível seguir todos os actos que tivessem a ver com processos de aplicação de fundos comunitários. Foi chumbado pelo PSD, pelo CDS e pelo PAN.

E não nos vamos ficar por aqui. Na passada 6.ª feira entraram nos serviços da Assembleia quatro propostas de Decreto Legislativo Regional. Têm todos a ver com o combate e a prevenção da corrupção:

a. Utilização do vetting para as nomeações dos Directores Regionais;

b. Aplicação de princípios de Desburocratização e de Digitalização;

c. Implementação do Governo Electrónico (E-Government);

d. Constituição formal do Gabinete de Combate à Corrupção.

Atenção que não são projectos de resolução que se limitam a recomendar ao Governo que faça isto ou aquilo (também os fazemos). Estou a falar de leis, escritas e pensadas para se aprovadas, terem aplicação imediata.

Estou curioso para ver de que modo acompanham estas propostas PSD, CDS e PAN.

Certamente que voltarão a achar que somos desconfiados. E têm toda a razão. Quando há os que vêm tudo o que se passa como se fosse normal, nós desconfiamos cada vez mais.

4. E pensar que houve quem, há uns meses, quisesse fazer de nós a criança na sala. Enfim.