A massificação da Inteligência Artificial e Realidade Virtual
No próximo mês de fevereiro a Apple iniciará a comercialização do Apple Vision Pro, a sua primeira versão de headsets/óculos de realidade aumentada, elevando o conceito para um campeonato formidavelmente superior ao da concorrência. O que causa sensações ao mesmo tempo entusiasmantes e assustadoras, quando se assiste ao seu vídeo de apresentação.
Segundo a Apple, “este produto funde conteúdos digitais com o mundo real, suportando experiências em realidade aumentada e virtual, numa realidade mista”, com 2 ecrãs com 23 milhões de pixels, 12 câmaras e 6 microfones. O conteúdo surge no campo de visão (virtual) do utilizador, que manipula os conteúdos interactivamente através das mãos, voz e olhos e define a escala e distância das imagens, e permite transferir o que anteriormente se via nos ecrãs da TV, do telemóvel ou do PC e suas aplicações para um ambiente virtual imersivo até 360º, misturando os mundos físicos e virtuais de uma forma nunca vista.
Em 2023 o mundo foi surpreendido com a utilização da IA de uma forma massificada, através do ChatGpt, e 2024 pode ser o alvorecer da utilização da realidade virtual/aumentada na nossa vida diária. Como com qualquer avanço tecnológico, é prudente reconhecer as suas potencialidades e benefícios e ter consciência dos perigos +/- distópicos que pode implicar.
É possível imaginar a revolução da IA e RV na forma como comunicamos e interagimos, beneficiando-nos através de automatização de tarefas e aumento da produtividade, criação de ambientes virtuais em reuniões, eventos, interações sociais e na aprendizagem, e de ambientes imersivos em simulações realistas em áreas como a aviação, engenharia ou medicina, oferecendo práticas mais seguras e diagnósticos médicos mais precisos e tratamentos personalizados, com monitorização em tempo real. Na saúde mental potenciarão processos de estimulação cognitiva de vária ordem e a intervenção terapêutica para tratamento de fobias, stress pós-traumático e outros ligados à ansiedade, através da ação sobre ambientes virtuais controlados. Possibilitará processos de reabilitação e socialização diferenciados a pessoas com quadros físicos e psicológicos que os limitam em meio real.
Mas as questões éticas relativas à manipulação, uso de dados das pessoas e questões de privacidade estão na primeira linha, assim como os riscos de (ainda maior) desinformação e de ameaças cibernéticas, pois a prevenção, legislação e reflexão sobre estes temas estão sempre um passo atrás do estado da arte. A inevitável reestruturação do mercado de trabalho, com a extinção de algumas funções e criação de outras é também um comboio em andamento. Há riscos na desigualdade digital relativamente, p. ex., à educação e aprendizagem ou aos cuidados de saúde diferenciados e otimizados, que podem beneficiar quem tenha mais recursos económicos. O potencial de dependência e isolamento, através da fuga ao desconforto do real é grande, e se hoje existe a preocupação acerca dos malefícios do ecrã que anda no bolso, plataformas altamente imersivas a 360º, com ambientes e experiências sensorialmente otimizadas e gratificantes, trarão riscos acentuados.
A virtualização da existência em várias dimensões está em curso, sendo premente a discussão acerca do impacto da IA e RV na sociedade e do que é ser humano, e procurar equilibrar os inegáveis proveitos com os desafios, mediante esforços contínuos na pesquisa e reflexão, na regulamentação e consciencialização, potenciando benefícios e mitigando malefícios.