DNOTICIAS.PT
A Guerra Mundo

Rússia rejeita na ONU acusações de "deportação" de crianças

None

A Rússia rejeitou hoje na ONU as acusações de "deportação" de crianças ucranianas para o seu território após a invasão da Ucrânia, movidas por Kiev e diversas instâncias internacionais, reconhecendo ter "acolhido" mais de 700.000.

O Comité das Nações Unidas para os Direitos da Crianças, integrado por 18 peritos independentes, examinou durante dois dias em Genebra este dossier no âmbito de um encontro regular, e pressiona Moscovo para se pronunciar sobre as "alegações de deportação", procurando saber quantas crianças foram abrangidas, para onde foram enviadas e quais os motivos.

A Ucrânia calcula em cerca de 20.000 o número de crianças ucranianas enviadas para a Rússia, com o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, a denunciar um "genocídio". Segundo Kiev, e até ao momento, cerca de 400 foram repatriadas pelas autoridades.

Em 2023, o Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu mandados de captura contra o Presidente russo, Vladimir Putin, e a comissária russa para a infância, Maria Lvova-Belova, pela "deportação" de milhares de crianças ucranianas.

Moscovo, que rejeita estas acusações, assegura pretender proteger estes menores dos combates e afirma que "a reinstalação das crianças retiradas tem sido feita a seu pedido e com o seu acordo", segundo um documento que a Rússia enviou em 2023 ao Comité para os Direitos da Crianças.

Hoje, a delegação russa mostrou-se inflexível nas suas respostas aos peritos da ONU.

"Desde fevereiro de 2022, a Federação da Rússia não esteve envolvida na deportação de crianças ucranianas para o seu território", assegurou Alexei Vovtchenko, chefe da delegação russa e vice-ministro do Trabalho e da Proteção Social.

"Em todo o nosso território acolhemos perto de 4,8 milhões de cidadãos ucranianos. Mais de 700.000 são crianças. Estas são as crianças acolhidas", disse.

Indicou ainda que a maioria das crianças chegou com as suas famílias ou tutores, e foram "instaladas em locais temporários ou em casa de pessoas próximas".

"Estamos em vias de procurar 5.086 crianças e de proceder à verificação dos dados" em coordenação com a Ucrânia, indicou Vovtchenko.

A Rússia, que invadiu o país vizinho em fevereiro de 2022, reivindica a anexação de cinco regiões ucranianas: a península da Crimeia em 2014, e em 2022 as regiões de Lugansk, Donetsk, Zaporijia e Kherson.

Vovtchenko disse que Moscovo "retirou" das regiões de Donetsk e Lugansk "perto de 2.000 órfãos" ou crianças que permaneciam "sem proteção parental", e acusou as autoridades ucranianas de não se terem "preocupado previamente" com o seu destino.

O alto responsável russo também considerou que o envio de crianças para a Rússia a partir de orfanatos na Crimeia "é um processo habitual", podendo "mudar de região" se necessário.

O vice-ministro russo disse não estar em condições de responder às questões dos peritos sobre o número de crianças russas que perderam os respetivos pais nos combates na Ucrânia.

Ao negar as acusações de "propaganda" feitas pela presidente do comité, a sul-africana Ann Marie Skelton, a delegação russa optou por sublinhar a "educação patriótica" concedida aos alunos russos, designadamente através das "Conversas Importantes", os cursos introduzidos pouco após o início da invasão da Ucrânia.

Segundo o comité, as escolas públicas realizam um trabalho de propaganda para promover perspetivas políticas relativamente a conflitos como o ucraniano.

O comité manifestou preocupação com o possível regresso às escolas russas de formas de treino militar, ao que a delegação russa admitiu que em setembro de 2024 será introduzida uma disciplina que incluirá "o estudo dos elementos básicos da proteção da pátria".

Na disciplina, os alunos serão informados sobre as forças armadas russas, os diferentes tipos de armamento e apresentados ao serviço militar, embora a delegação russa tenha garantido que não aprenderão o uso de armas letais.

Foi também discutido o novo Movimento dos Primeiros, uma organização juvenil criada em 2022 e que já conta com um milhão de membros, e sobre a qual o comité da ONU manifestou mais inquietações quanto ao seu propósito, que, segundo o lado russo, se limita a apoiar a educação de crianças e ajudá-las na sua formação profissional.

O comité das Nações Unidas recordou que nos quase dois anos de invasão russa da Ucrânia, pelo menos 302 rapazes e 243 raparigas foram mortos em ataques, números que a delegação russa rejeitou.

Ainda hoje, a coordenadora humanitária da ONU na Ucrânia difundiu uma declaração, alertando para as vítimas civis nos raides.

"Estes ataques são mais uma lembrança amarga da devastação, do sofrimento e da angústia que a invasão da Rússia está a causar a milhões de pessoas na Ucrânia. Os ataques brutais e indiscriminados contra civis devem parar", escreveu Denise Brown.

O comité também expressou preocupação com relatos de abusos e maus-tratos a crianças LGBT+ na Rússia, com possíveis casos de maus-tratos em centros de detenção e orfanatos, e com o uso generalizado de castigos corporais, que, segundo sondagens, ainda é apoiado por um terço dos pais russos.

As conclusões dos peritos serão divulgadas a partir de 08 de fevereiro, mas Marie Skelton não pareceu convencida com os argumentos da delegação russa. E sugeriu a Moscovo que apresentasse aos alunos russos as recomendações do comité da ONU no decurso de próximas edições das "Conversas Importantes".

A Rússia invadiu a Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022, com o argumento de proteger as minorias separatistas pró-russas no leste e "desnazificar" o país vizinho, independente desde 1991 após a desagregação da antiga União Soviética e que tem vindo a afastar-se do espaço de influência de Moscovo e a aproximar-se da Europa e do Ocidente.

A guerra na Ucrânia já provocou dezenas de milhares de mortos de ambos os lados, que se mantêm irredutíveis nas suas posições territoriais e sem abertura para cedências negociais.

As últimas semanas foram marcadas por ataques aéreos em grande escala da Rússia contra as cidades e infraestruturas ucranianas, enquanto as forças de Kiev têm visado alvos em território russo próximos da fronteira e na península da Crimeia ilegalmente anexada em 2014.