A Marinha melhorou os meios navais na Madeira depois da guerra na Ucrânia?
A Marinha Portuguesa revelou, ontem, que hoje chega ao Funchal a corveta António Enes para patrulhar os mares da Madeira. Na sequência da notícia desse facto, vários foram os comentários feitos por leitores, em ‘sites’ e redes sociais do DIÁRIO, mas não só.
Um dos comentários, de alguma forma, espelha um conjunto de observações feitas, ao apontar no sentido de, desta feita, a Marinha Portuguesa ter enviado um “meio naval decente”, o que aconteceria por imposição de Bruxelas, para acompanhar navios russos. Mas, será o meio agora enviado mais capaz para a missão de patrulha dos mares regionais do que os antecessores?
O esclarecimento à dúvida levantada deve considerar vários ângulos: idade do navio; capacidades e missões na Madeira.
A questão da operacionalidade dos meios navais tem vindo a ser colocada e ganhou redobrada projecção pública, há quase um ano, quando o NRP Mondego falhou uma missão de acompanhamento de um navio russo, que circulava em águas de jurisdição portuguesa, a Norte do Porto Santo.
Na noite de sábado 11 de Março de 2023, um grupo de 13 militares recusou-se a embarcar, alegando que o navio não reunia condições para a missão, que lhe era atribuída. O navio veio, como se veio a confirmar, tinha avarias e até falta de combustível impediu a partida, dias mais tarde, para uma nova missão, às Desertas.
Depois disso, estiveram na Madeira, em missão prolongada, outros navios, não havendo registo público de qualquer outra complicação no cumprimento das respectivas missões.
O “meio naval decente”, a que se referem vários leitores e assim sintetizado por um deles, entrou em efectivo da Armada quando Portugal ainda era um país imperial, com várias colónias em África e na Ásia. O NRP António Enes foi aumentado ao efectivo, de acordo com a informação constante do sítio da Internet da Marinha, a 18 de Junho de 1971, depois de construído em Cadiz, na Espanha.
O navio é o mais velho de todos os que se encontram ao serviço da Marinha Portuguesa, só sendo acompanhado de perto pela outra corveta no activo, o NRP João Roby. As outras corvetas da mesma altura já foram abatidas ao fectivo, estando duas delas nos fundos marinhos da Madeira. A Afonso Cerqueira está ao largo do Cano Girão e a Pereira D’Eça ao largo do Porto Santo. As duas pretende ser atrações turísticas, na área do mergulho.
No entanto, a utilidade de um navio não se avalia apenas pela idade. A um velho casco pode corresponder uma embarcação capaz, se devidamente mantida e modernizada. Foi o que a Marinha Portuguesa tentou fazer, por exemplo, ao adquirir e modernizar vários navios patrulha, à Marinha da Dinamarca.
Outro aspecto a verificar é se a NRP António Enes é um estreante em missões na Madeira. Como seria de antever, pelos seus 52 anos ao serviço, o navio em causa já cumpriu muitas missões nos mares da Madeira, uma delas com início algumas semanas antes de começar a guerra na Ucrânia, iniciada pela invasão da Rússia àquele País.
Sobre o desempenho das missões, cabe às corvetas, de acordo com a Marinha, o desempenho “principalmente, (de) missões no âmbito da segurança e autoridade do Estado no mar e no âmbito da defesa própria e do apoio à política externa do Estado em cenários de baixa intensidade”.
Aos patrulhas oceânicos, que também desempenham missões nos mares da Madeira, cabe “principalmente, missões no âmbito da segurança e autoridade do Estado no mar e missões de interesse público”.
Já os patrulhas são “destinados a operar junto a zonas costeiras em missões de vigilância, patrulha e defesa. Estão vocacionados para missões de segurança e autoridade do Estado no mar e missões de interesse público”.
Assim, como se constata, o NRP António Enes é o navio mais velho da Armada, já desempenhou muitas missões nos mares da Madeira e, para o que é solicitado nas águas sob jurisdição portuguesa, tem capacidades semelhantes às dos patrulhas e patrulhas oceânicos. Isto sem esquecer a capacidade do NRP António Enes de actuar no apoio à política externa do Páis, em cenários de baixa intensidade, o que não é a vocação dos patrulhas oceânicos e, menos ainda, dos patrulhas. Por isso, é falso que só agora a República envie meios navais decentes para a Madeira, por ser necessário exercer vigilância sobre navios russos.