Vai ser proibido reparar carros com mais de 15 anos?
Causou derrapagem a notícia de que a União Europeia [pode ler aqui] estaria a preparar legislação que determinaria que a maior parte dos carros antigos, com mais de 15 anos, iam ganhar automaticamente o estatuto de Viatura em Fim de Vida. Será que esta informação é falsa?
Por cá, Gonçalo Pereira, antigo dirigente dos automóveis clássicos, confirma ter ouvido os rumores mas considera um “absurdo” se a matéria for avante. Esta manhã o DIÁRIO também ouviu Duarte Reis, representante da Mesa da ACIF Multimarcas e Duarte Carvalho, representante dos Concessionários Oficiais.
“Os proprietários dos carros com mais de 15 anos podem fazer as reparações até quando entenderem e ficam com as viaturas ate quando quiserem (…) o que me parece é que existe uma legislação para evitar que circulem carros que foram abatidos nalguns países e vão para outros como carros usados para ser vendidos”, explica o empresário da Ribeira Brava, representante de várias marcas de automóveis que sublinha existir já regras em Portugal que estabelece se o valor do sinistro for superior ao valor comercial do veículo geralmente os carros são perda total, vão para abate”.
Na verdade, tudo resulta de uma proposta de regulamento, apresentado pela Comissão Europeia, que redefine completamente a classificação dos resíduos dos automóveis e a sua gestão no final da sua vida útil, a fim de promover a chamada economia circular.
A Comissão Europeia já desmentiu que a proposta visa impedir "a reparação ou a mudança de motores de automóveis quando necessário". Também não há referência, no texto da proposta da Comissão, a um qualquer limite de 15 anos nas regras a aplicar aos veículos em fim de vida. Apesar disso, foram várias as notícias publicadas em Portugal a referir essa idade das viaturas. Com a medida, a UE pretende regulamentar e acelerar o abate e a reciclagem de viaturas em fim de vida.
O próprio Automóvel Clube de Portugal também saiu a terreiro contrariando que tal iria suceder. Por outras palavras, trata-se de uma medida destinada a evitar que um automóvel em fim de vida seja vendido para contornar as regras de gestão dos resíduos, combatendo a exportação desregrada, mas, teoricamente, o proprietário não será obrigado a desfazer-se do automóvel enquanto o quiser conservar.
Também não há nada que mencione os veículos históricos, já que na proposta da Comissão Europeia não há qualquer regra baseada na idade/antiguidade dos automóveis. “Só no caso de venda de um automóvel é que, neste regulamento, existem regras que permitirão às autoridades estabelecer se se trata efetivamente de um automóvel que pode ser vendido ou de um veículo que chegou ao fim da vida”, explicou o porta-voz da Comissão de Transportes.
Dito de outra forma: quem queira investir no seu automóvel, seja qual for a sua idade, pode fazê-lo sem qualquer restrição. Se for para entrar no circuito comercial é preciso olhar para as novas regras, caso venham a ser aprovadas pelo Parlamento Europeu.
A UE diz ter dados que mostram que os carros que deveriam ser abatidos estão a ser exportados da União Europeia como se estivessem em condições de circular e isso tem de parar. Assim, esclareceu, pretende-se "pôr fim a um tipo específico de fraude: há veículos que são sucata e que são exportados da UE e vendidos como verdadeiros carros usados, mesmo que na verdade não consigam circular de forma alguma”.
Para saber se o seu carro está em fim de vida, a proposta elenca mais de 15 critérios que devem ser levados em conta como, por exemplo, se foi despedaçado ou desmembrado; se foi soldado ou fechado com espuma isolante; se foi completamente queimado a ponto de destruir o compartimento do motor ou o compartimento dos passageiros; ou se foi imerso em água até o painel. Para que a viatura seja considerada “tecnicamente irreparável” basta que cumpra um dos critérios.
O regulamento indica que um veículo será classificado como tecnicamente irreparável se tiver sido cortado em pedaços ou desmontado, se tiver sido soldado ou selado com espumas, se tiver sido completamente queimado com o compartimento do motor ou o habitáculo afetados, ou se tiver sido imerso em água até um nível acima do painel de instrumentos.
Além disso, um veículo será também classificado como tecnicamente irreparável se não for possível resolver problemas nas ligações ao solo (pneus e jantes), na suspensão, na direcção, nos travões, nas fixações dos bancos, nos airbags e pré-tensores dos cintos de segurança ou no chassis, ou se a sua estrutura e segurança geral apresentarem defeitos técnicos irreversíveis, como metal envelhecido, corrosão evidente por perfuração ou problemas graves no primário da carroçaria.
Mas a proposta prevê também, e é aqui que surge a principal polémica das últimas semanas, que um veículo será declarado tecnicamente irreparável, ou residual, se a sua reparação exigir a substituição do motor, da caixa de velocidades, da carroçaria ou do conjunto do chassis, e também se tiver um valor de mercado inferior ao custo das reparações necessárias para que possa ser aprovado nas Inspecções Periódicas Obrigatórias - IPO.
Duarte Carvalho defende um cerco às viaturas sinistradas para que não fossem recuperadas, uma posição que tenderia à renovação de um melhor parque automóvel e ao fim a negócios duvidosos, para isso as seguradoras deveria deixar de comercializarem carros sinistrados e o Estado deveria aliviar a carga fiscal que incide sobre o comércio de automóveis.
Esclarecimento UE
Esta semana o assunto ganhou contornos de polémica ao ponto de a UE ser obrigada a esclarecer:
- Não há absolutamente nada na proposta da Comissão Europeia sobre “veículos em fim de vida” que proíba a reparação de veículos com mais de 15 anos (nem de veículos com qualquer outra idade).
- Se um proprietário quiser reparar o seu automóvel, isso está perfeitamente de acordo com as regras propostas, independentemente da “idade” do veículo.
- Caso um automóvel estiver danificado a ponto de não poder ser reparado, deverá será considerado um “veículo em fim de vida” e nesse caso aplicar-se-iam as regras do regulamento proposto.
- A proposta de regulamento contém critérios sobre a forma de determinar se um automóvel deve ou não ser considerado reparável — mas estes critérios não incluem qualquer limite de idade.