Mais e mais amor!
Uma criança que se porta mal, sente-se mal. Fazer uma criança que já se sente mal sentir-se ainda pior é que não tem mesmo sentido algum
Que este ano, o amor seja a bússola. Para todos. Talvez esta crónica ajude a perceber a urgência e a importância do amor incondicional nas nossas vidas.
Se é verdade que não temos o direito de fazer tudo o que nos dá na cabeça, não é menos verdade que temos o direito de falar sobre tudo o que habita a nossa cabeça e nos vai no coração. Serve para adultos, jovens, adolescentes, crianças e idosos. Para todos. De todas as condições. Nesta crónica Essencial vou colocar o foco nos mais novos (ou não).
Por variadíssimos motivos, muitas vezes, a única forma que a criança tem para ‘falar’ é através do seu comportamento. Esse, está a comunicar-nos algo. Ora, se o abafamos com julgamentos, moralizações, lições, ameaças, subornos, castigos, contenção, palmadas, não conseguimos escutar o que ela tem para nos dizer.
A neuropsicologia e a neurolinguística já comprovaram que uma criança que se porta mal, não se sente bem. Portanto, a nossa responsabilidade, enquanto adultos, é investigar, criar e ser espaço seguro para compreender o que a criança quer dizer com o seu comportamento. É desta forma que a auxiliamos a encontrar formas saudáveis de se exprimir e relacionar. Cabe-nos vestir a pele do detetive e descobrir quais são as suas necessidades, a intenção positiva dos comportamentos inadequados e guiá-la a encontrar outros, saudáveis, que satisfaçam a intenção positiva e nutram as necessidades.
Parece-me claro que quem se sente visto e respeitado, quem sente conexão, quem vê as suas necessidades satisfeitas, tende a cooperar, tende a respeitar, tende a praticar o bem. A criança não precisa (nem deve) ter tudo o que deseja, não precisa de poder fazer tudo que lhe dá na cabeça. Não precisamos de lhe dar tudo o que quer. Precisamos sim, de lhe dar tudo o que precisa. E o que ela precisa, como todas as pessoas, é de sentir que as suas necessidades e que os seus desejos são vistos e reconhecidos. Só assim sente segurança. Só assim sente que existe. Só assim sente que é amada.
Façamos este breve exercício: quando ficamos ansiosos, frustrados, irritados, quando gritamos, quando soltamos palavrões, quando nos apetece bater ou mandar tudo e todos a um sítio feio, ou para o ar, como nos sentimos cá dentro, no corpo, na cabeça, no coração? É tudo menos agradável. Sentimo-nos bem? Não, pois não? Sentimo-nos mal. E, nesse momento, é desafiante evitar que aconteça. É exatamente igual com as crianças. E é ainda mais desafiante para elas, porque o cérebro só atinge a maturidade por volta dos 25 anos. Portanto, estar consciente do pressuposto de que - uma criança que se porta mal, sente-se mal - ajuda-nos a explorar outras soluções, que realmente servem a criança e a nossa relação com ela. Afasta-nos de estratégias autoritárias, violentas e perigosas, como castigos, time outs, contenções e palmadas. Uma criança inflexível (ou ‘difícil’) precisa de pais e adultos flexíveis e empáticos. Crianças inflexíveis e ‘difíceis’ precisam de exemplos de flexibilidade e empatia. Pedem figuras de referência, que saibam cooperar e ‘jogar’ em equipa. Precisam de ver e treinar estratégias e competências diferentes daquelas que já conhecem. Se queremos que as crianças sejam flexíveis, respeitosas e cooperem, é precisamente nesse espaço que temos de nos encontrar. E quanto mais inflexível uma criança for, mais importante é a manifestação da flexibilidade por parte dos cuidadores. Até porque, a principal forma de aprender sobre respeito, flexibilidade e cooperação é vê-las em acção. Aprendemos a auto-regular-nos através das experiências de co-regulação.
Já escrevi tanto sobre isto, nos livros publicados, palestras, cursos, aqui: o comportamento da criança nunca é o principal problema. O maior desafio é o estado emocional do adulto que tem à sua frente. São os pensamentos, emoções, sentimentos e necessidades que surgem no adulto, naquele momento. O nosso sistema nervoso é altamente sensível e tende a espelhar os estados emocionais das pessoas que temos ao redor, sem nos apercebemos (através dos neurónios espelho e do campo eletromagnético).
Como adultos, temos, urgentemente, de assumir responsabilidade pessoal, de resgatar a nossa capacidade de regulação e de colocarmos esta competência ao serviço do todo. Se estivermos regulados, com capacidade para observar o comportamento da criança e vermos que é uma forma de comunicação, uma forma de satisfazer necessidades e não é um problema, passamos a ver coisas que não conseguimos quando, literalmente, ‘nos passamos da cabeça’ e olhamos para o comportamento como um desafio aos limites, invasão ou desrespeito.
Se vivermos intencionalmente, se cuidarmos das nossas emoções, sentimentos e das nossas necessidades, melhor nos sentiremos, melhor responderemos. Sim, requer presença, requer consciência, requer coragem e requer um olhar crítico, empático, compassivo, para dentro de nós próprios. Requer mais e mais amor. Um belo desafio de amadurecimento e crescimento pessoal, e que trabalho tão mas tão necessário no mundo de hoje. Que 2024 seja um ano genuinamente amoroso.