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Crónicas

O bom, o mau e a última ceia

Somos um país de contrastes. Em espírito, somos uma nação de empreendedores, de tecnologia e de inovação. Somos o país da Websummit, do 5G, do TGV, das start-ups e da economia digital. Mas o que somos em espírito, nem sempre pomos em prática. Na realidade, somos o país que levou 73 anos a deixar de considerar obrigatória a existência de um bidé em todas as habitações. Mais sorte teve a bacia de retrete que continua a ser legalmente exigível em todas as casas portuguesas. Portugal está pronto para ser uma das economias mais inovadoras do mundo, mas somos muito conservadores quanto a instalações sanitárias.

O bom: Polícias em Protesto

Tudo transbordou pelas mãos de um homem. Pedro Costa, 32 anos, agente da PSP há 5, mudou-se para a escadaria da Assembleia da República em protesto por melhores salários para os polícias. Dormiu a primeira noite só, amparado pela calçada fria de São Bento. Na segunda noite, juntaram-se-lhe os primeiros colegas de profissão, seguidos por guardas da GNR e por guardas prisionais. Ao fim de uma semana, os protestos estendiam-se ao longo de várias cidades por todo o país e juntavam centenas de polícias em vigília. Só no Funchal foram mais de trezentos. O rastilho aceso por Pedro Costa é agora uma revolta pacífica nas esquadras de Norte a Sul de Portugal. À primeira vista, a indignação parece circunstancial. O Governo aumentou o subsídio de risco atribuído à Polícia Judiciária e deixou as restantes forças de segurança fora do acréscimo salarial. Em boa verdade, é indigna a circunstância que o Governo criou. Compensar o risco corrido por uns e esquecer o que correm os outros, é dizer que uma Polícia vale mais do que outras. No entanto, creio que o tratamento preferencial dado a uma Polícia, em detrimento das outras, não foi a verdadeira razão da revolta, mas apenas a gota que sobejou a paciência de muito agentes. Os carros parados, as esquadras caducas, o equipamento pago pelos agentes, os computadores desatualizados. Se a isto juntarmos os baixos salários e uma carreira pouco atrativa, fica claro que estes homens e mulheres protestam por muito mais do que um subsídio de risco.

O mau: JPP – Juntos pelo Povo

Se em política perguntar não ofende, no desejável escrutínio da governação, perguntar - para além de não ofender – é uma obrigação. Como, por natureza, a atividade política é fértil em perguntas difíceis e respostas ambíguas, criou-se a possibilidade dos tribunais decidirem sobre a justiça de umas e a necessidade de outras. A transposição desta lógica para a trama que envolveu a Câmara do Funchal, o LIDL e o JPP, ter-nos-ia poupado a uma dispensável telenovela de escárnio e mal dizer. O enredo é simples. O LIDL quis instalar-se no Funchal, a Câmara Municipal decidiu os processos de licenciamento e o JPP pediu informação sobre essas decisões. Como existiam dúvidas quanto à pertinência da documentação pedida, o processo seguiu para Tribunal. A história poderia ter sido contada assim. Factual e objetiva. Mas há, no partido oriundo de Gaula, uma tentação provinciana pela bilhardice e um gosto patego pela intriga. Então, travestidos de Robin dos Bosques dos documentos administrativos, escreveram as mais mirabolantes teorias para explicar o atraso na vinda do LIDL para a Madeira. Até ao dia em que os alemães lhes puxaram o tapete. Afinal, o atraso deve-se a uma reorganização do LIDL e não está relacionado com qualquer decisão municipal. A resposta não belisca o direito do JPP à pergunta, muito menos de recorrer a Tribunal, mas relembra que nem todas as respostas das entidades públicas escondem conspirações. Esse é o principal sintoma da miopia política de que sofre o JPP. Estão muito atentos aos supermercados no Funchal, mas olham para o lado quando se tratam de bombas de gasolina no Caniço.

A última ceia: Congresso do PS Madeira

Ao congresso do PS Madeira, foram bem mais do que 12 militantes. Não consta sequer que Cafôfo tenha previsto a sua traição, como Cristo previu a de Judas. Mas se o número de socialistas superou, em larga escala, o número de apóstolos à mesa de Cristo e a ressurreição de Cafôfo, como líder do PS, tenha sido feita por aclamação, ficou no ar a melancolia própria de uma última ceia. Todos os que passaram pelo congresso sabem-no perfeitamente. Sabe-o Pedro Nuno Santos e, por isso, ocupou grande parte da sua intervenção com o Chega e com André Ventura. Sabe-o Carlos Pereira e, por isso, juntou disponibilidade para o futuro com elogios cirúrgicos a Emanuel Câmara e Ricardo Franco. E, acima de tudo, sabe-o Paulo Cafôfo e, por isso, permitiu-se ao capricho de anunciar-se a si mesmo como cabeça de lista, logo na primeira eleição como líder do partido. O regresso sebastiânico de Cafôfo já não tem a aura de independência da sua primeira vida como político, nem sequer o encanto de uma estreia governativa. O requentado líder do PS é hoje um político de carreira, com as vantagens e agruras do título, e um homem cujo currículo governativo não admite a veleidade de apresentar-se como uma novidade política. Daí a tentativa sofisticada de cobrir o regresso de Cafôfo com o manto da “causa de uma vida” e de insistir que o seu projeto é a 4 anos. Fazem-no porque sabem que esses são os seus calcanhares de Aquiles – o interesse próprio no regresso e a falta de compromisso.