Contra o ódio!
O discurso de ódio foi definido, em 1997, pelo Conselho da Europa como «a defesa, promoção ou incitamento, sob qualquer forma, à difamação, ao ódio ou ao desprezo de uma pessoa ou grupo de pessoas, bem como qualquer assédio, insulto, estereótipo negativo, estigmatização ou ameaça contra essa pessoa ou grupo de pessoas e justificação de todos os tipos de expressão anteriores, por motivos de raça, cor, ascendência, origem nacional ou étnica, idade, deficiência, língua, religião ou crença, sexo, género, identidade de género, orientação sexual e outras características pessoais ou estatuto».
Mais tarde, o mesmo Conselho da Europa redefine o conceito, uma vez que este é amplificado pela internet e pelas redes sociais. «O discurso de ódio online é a ponta visível do icebergue da intolerância e do etnocentrismo. Os e as jovens são agentes e vítimas diretas do abuso online dos Direitos Humanos; a Europa precisa de que os e as jovens se preocupem e que cuidem dos Direitos Humanos, de forma a proteger a Democracia», lê-se na apresentação do Manual para o combate do discurso de ódio online através da Educação para os Direitos Humanos.
O discurso de ódio tem encontrado uma forte expressão online sobretudo porque as pessoas veem na Internet a possibilidade de publicar discursos ofensivos e de fazer ciberbullying (insultar, humilhar ou praticar repetidamente algum tipo de violência psicológica online).
Apesar de ser impensável que nos dias de hoje ainda convivamos com situações que nos parecem ser inaceitáveis, a verdade é que os violentos ataques criminosos no Médio Oriente, com inúmeros crimes de ódio racistas e xenófobos, continuam a difundir-se sobretudo através da Internet, com muita desinformação à mistura.
Num passado recente, assistimos, incrédulos, a atitudes intolerantes de figuras públicas internacionais e nacionais. Donald Trump usou o Twitter para anunciar mudanças políticas, insultar inimigos, lançar desconfiança, fazer comentários xenófobos, elogiar aliados e espalhar desinformação. Até ter sido banido em 2021. Por sua vez, um relatório de uma ONG americana, a Global Project Against Hate and Extremism, identificou 13 movimentos radicais de direita em Portugal, nomeadamente o do partido liderado por André Ventura (Chega).
Ainda, e a título de exemplo, uma semana após o conflito ter começado (7 de outubro de 2023), a plataforma de fact-checking Polígrafo esclarecia que eram falsos os vídeos chocantes a circular nas redes sociais sobre as consequências do ataque-surpresa do Hamas em Israel (com epítetos como “animais selvagens” e “terroristas”), nos quais um dos mais virais exibia cinco crianças pequenas enclausuradas numa jaula para animais. «Este é apenas um de centenas, senão milhares, de tweets publicados na rede social X (antigo Twitter) em vários quadrantes do mundo, suportados pelas mesmas imagens», explica-se.
De nove fact-checkings publicados, sete foram classificados como “falsos” e dois como “pimenta na língua”, ou seja, detêm o grau máximo de falsidade. Temos conteúdos desinformativos que dão conta de supostas estratégias de guerra, um falso esquadrão antibombas, uma explosão numa bomba de gasolina que nunca aconteceu, falsas encenações para simular ferimentos de uma criança em cenário de guerra e reportagens em direto sob bombardeamento dos palestinianos, supostos aviões militares russos a aterrarem na Palestina, soldados israelitas a impedirem médicos de salvarem vidas na Faixa de Gaza e a bandeira oficial da Palestina a ostentar, no passado, a Estrela de David.
À semelhança do que acontece em Portugal, também um pouco por todo o Mundo, há indícios de que, com o conflito israelo-palestiniano, nos últimos meses, se tem verificado um aumento generalizado do ódio.
A União Europeia (UE) está atenta porque «o ódio gera mais ódio: é uma força destrutiva não só para determinadas comunidades, mas para todos nós». Como tal, pretende finalizar com várias plataformas em linha, antes de fevereiro de 2024, um “Código de Conduta reforçado para a luta contra os discursos ilegais de incitamento ao ódio em linha”. É pelo menos esta a intenção expressa na Comunicação de dezembro intitulada “Não ao ódio: uma Europa unida contra o ódio”.
Em maio de 2016, a Comissão Europeia acordou com grandes empresas como o Facebook, a Microsoft, o Twitter e o YouTube um “Código de conduta para combater o discurso ilegal de ódio em linha”, que foi tendo, até 2021, mais aderentes como o Instagram, o Snapchat, o Dailymotion, o TikTok e o Linked.
O Código de Conduta surgiu como uma forma de incentivar as plataformas que lidam com discursos ilegais de incitação ao ódio a criar sistemas de aviso e ação eficazes, apresentando-se como facilitador do diálogo entre as empresas de Tecnologias de Informação e as organizações da sociedade civil que trabalham no terreno para combater o discurso de incitação ao ódio.
Obviamente, no que ao discurso de ódio online diz respeito, e como comprovam os inúmeros conteúdos desinformativos que circulam de uma forma descontrolada, ainda há muito a fazer. Para além do reforço do Código de Conduta, na agenda da UE constam outras medidas, como superar os obstáculos práticos à aplicação do Regulamento Conteúdos Terroristas em Linha, antecipar a execução do Regulamento dos Serviços Digitais, reforçar os esforços de comunicação estratégica com a Rede de Sensibilização para a Radicalização. Veremos…