A separação e o divórcio podem ser por amor
“O amor que sentimos pelos nossos filhos não tem qualquer valor em si mesmo, até que se converta em comportamentos de amor.” Falar disto é falar de divórcio consciente.
É um tema complexo que entrou na minha vida, há cerca de quatro anos. Primeiro como curiosidade, até porque tinha várias alunas, de neurolinguística e de parentalidade generativa, a questionar-me sobre o mesmo, sobretudo por causa do impacto nas crianças e no estigma que ainda existe para com uma mulher divorciada, depois passou ele próprio a ser tema de reflexão mais profunda. Seguiu-se o questionamento pessoal honesto, com a tomada de consciência dos vários tipos de separação: emocional (quando se mantém a estrutura familiar, as rotinas, as obrigações, mas do ponto de vista afetivo já não existe o casal) e formal (quando acontece a separação). Até ter-se materializado há mais de um ano, quando a coragem e o amor (que andam de mãos dadas), me permitiram dar o passo final para o divórcio. Fi-lo quando senti que afinal, ele também pode e deve ser por amor. Amor próprio, amor aos filhos (quando existem). Bem sei, parece um paradoxo, só que a maneira como vemos um problema, é muitas vezes, ela própria, o problema. Pode ser diferente. Quando, finalmente, aceitamos a realidade como ela é, abrem-se novas possibilidades e emergem soluções. E sim, a separação e divórcio pedem muita luz e consciência. O primeiro passo deve ser o de estar devidamente informado e em estado de recursos (internos). Quero por isso, partilhar um livro que li há pouco tempo, sobre a importância, a influência e o impacto da consciência no processo de divórcio. Chama-se: “Divórcio Consciente – Para aliar o direito à parentalidade”, da editora Crisântemo. É um guia, um auxilio precioso para ajudar a atravessar os vários momentos deste processo que pode ser longo e desafiante (pela sua natureza).
“A separação e o divórcio vivem-se a dois tempos: o tempo real e o tempo emocional... que nem sempre estão sincronizados.”
As autoras Mafalda Correia (neuropsicóloga) e Marcela Almeida (advogada e juiz social no Tribunal de Família e Menores de Lisboa), lembram que a separação é um recomeço, que é possível escolher, intencionalmente, onde queremos chegar e “fazer da viagem um caminho de crescimento para si para os seus filhos”. O livro apresenta casos reais, vividos por pessoas que as autoras acompanharam pessoalmente. A obra leva luz à questão de que só nós podemos reconciliar-nos com o nosso próprio ressentimento. É desta forma que assumimos responsabilidade pessoal pelo que decidimos deixar para trás e progredir. No caminho, as emoções e os sentimentos que se manifestam, servem como bússola para nos avisar acerca das necessidades pessoais que ainda não estão satisfeitas. Afinal, “servir as nossas necessidades é a função básica das nossas emoções e sentimentos. São elas que nos mobilizam. Pela sua natureza, a raiva tende a aparecer rapidamente e a limitar a nossa capacidade de aceder aos nossos recursos mais construtivos.” A escolha é “como podemos tomar conta da raiva, para que não tome conta e nós?”. No meio de tudo isto, havemos de praticar o que nos disse Harriet Lerner: “não precisamos de perdoar as ações de um ofensor para encontrar a paz de espírito. O que precisamos é de dissipar a carga emocional associada à pessoa e/ou ao comportamento. Precisamos de aceitar a realidade de que por vezes o ofensor é inalcançável e impenitente e que podemos escolher se queremos continuar ou não a carregar o ofensor nos nossos ombros e dar-lhe protagonismo.”
Entendo que um divórcio consciente, leva-nos a reavaliar as nossas intenções para a parentalidade, já que o tempo dos adultos não é o tempo das crianças e a promoção de medidas e decisões protetoras da saúde e bem-estar emocional dos filhos é fundamental. Serve ainda, para, de uma vez por todas, definirmos os nossos limites pessoais, aqueles que protegem a nossa integridade. É que quando alguém viola os seus próprios limites ou permite que alguém o faça, esvazia parte dos valores fundamentais da sua vida. “Os limites são membranas que mantêm o organismo intacto. Deixam entrar o que é positivo e deixam de fora o que é prejudicial.”
Além das questões emocionais, da gestão de conflitos pessoais internos, conflitos entre as partes envolvidas, o livro esclarece-nos acerca das questões legais centrais e colaterais, essenciais. Tais como: regulação das responsabilidades parentais, o seu exercício, incumprimentos, decisões sobre a vida corrente e sobre questões de particular importância, residência das crianças, prestação de alimentos, contactos, o acompanhamento da vida escolar, o estatuto jurídico do Padrasto e Madrasta... no fundo, todas as questões legais relacionadas com o Supremo Interesse da Criança.
Obrigada às autoras pela sabedoria, amor, humanismo, compaixão e empatia que colocam em cada capítulo e à editora por reconhecer a importância e urgência do tema.
É muito claro que, se todos contribuirmos, em consciência, somos todos solução.