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Análise

Taxados e mal pagos

O residente não é turista, mesmo que vá para fora cá dentro. É quem faz o destino

Era uma vez aquele que era conhecido como destino consolidado e de maior projecção sem taxa turística em larga escala. Num ápice, a Região tornou-se toda ela uma Santa Cruz rendida ao encanto dos euros abundantes e, em vez de uma ecotaxa até agora localizada, ambiciona ter 11 taxas, por sinal, não uniformizadas, geradoras de confusões, de assimetrias e de protestos, a que acrescem outras cobranças pontuais, num assalto sem paralelo e sem serviços que o justifiquem, não só porque o PAN assim quis, desejo a que outras tonalidades políticas se juntam, dado que são patrocinadas por autarcas do PSD, CDS, PS e JPP.

Uma opção doméstica sem suporte em qualquer estudo recente ou debate prévio, nem inclusão na maioria dos manifestos eleitorais e orçamentos municipais, apetite que lesa severamente quem na hotelaria e na restante operação turística já fechou contratos para os próximos anos, sem contemplar os caprichos dos que optaram pela nova moda. Mesmo que em tempo de fartura possa haver quem entenda que mais um euro ou dois por dia não afecta a competitividade global do destino, há lesados sem culpas no cartório que, mais uma vez, terão que assumir custos não previstos que decorrem da pressa municipal em facturar sem quase nada fazer por isso, dando apenas 2,5% do total da receita obtida aos que agora passam a ser cobradores de taxas.

A insaciável vontade autárquica de quase tudo taxar, apenas por desconfiar da gestão solidária do governo regional, falou mais alto, sem o cuidado de justificar as razões da cobrança e de dar-lhes contexto, o que nem era missão impossível. Bastava olhar para o lado.

Quando em 2022 o parlamento dos Açores aprovou a taxa turística regional, que viria a ser revogada posteriormente, ambicionava promover a sustentabilidade de novas actividades e garantir as existentes, o que implicava investimento público, que, por sua vez, acarretava um acréscimo da despesa, em especial na prevenção e mitigação da degradação e sobreocupação, em especial, das áreas mais procuradas, face ao impacto da “pegada turística”.

A Região vizinha entendia que para manter os níveis de qualidade da oferta era urgente “proceder à tributação da actividade turística”.

Apesar de ter acabado na gaveta, a implementação da taxa nos Açores tinha objectivos bem definidos. Ou seja, não era um mero acto ganancioso, pois visava contribuir para o desenvolvimento e sustentabilidade do destino.

Percebido o âmbito, importa reter que a taxa açoriana poupava aqueles que garantem autenticidade ao destino. Ou seja, era apenas aplicada a hóspedes sem domicílio fiscal na Região e que realizassem dormidas remuneradas ou pelos passageiros não residentes que desembarcassem de navio de cruzeiro ou embarcações de recreio.

Pelos vistos a ânsia de ter receita fácil é tal que na Madeira os locais que optem por passar a noite num hotel serão forçados a ser turistas. É desta forma que se recompensa aqueles que em tempo de pandemia garantiram casa cheia na hotelaria regional? É assim que se distorce o espírito da taxa. O residente – que por sinal tem entrada à borla no Cabo Girão! - já aqui vive e paga inúmeras taxas e taxinhas sobre o rendimento ou sobre o consumo, financiando quase tudo, desde o serviço público de rádio e televisão aos direitos de passagem, da ocupação de subsolo à gestão de resíduos. O residente não contribui para a pressão turística, nem para outras perversidades em curso. Alguém reparou que os municípios com os atractivos mais procurados na ilha são os que menos vão arrecadar da taxas cobradas em função da dormida? De que serve ao Porto Moniz ou à Calheta ter milhares de turistas nas piscinas ou no Rabaçal se a maioria paga taxa no Funchal? Está previsto algum mecanismo de solidariedade entre os que estimam arrecadar 13 milhões de euros e os que com 1% das dormidas não conseguirão mais do que 100 mil euros?

Com o ajuste de contas autárquico em marcha, os especialistas em taxas revelaram todo o seu saber. Com propriedade. De taxas percebem os portugueses. Quem não se lembra do estudo de 2020 sobre a carga fiscal nacional, apresentado pela Confederação Empresarial de Portugal, que revelou que neste País de brandos costumes eram na altura cobradas mais de 4.300 taxas? Números que pecavam por defeito, pois os autores do estudo revelaram “diversas dificuldades” na recolha de informação, como a falta de transparência sobre as taxas cobradas, a dificuldade em identificar a base legal aplicável, a falta de uniformização, a complexidade da estrutura de cobrança e alocação de receita das taxas, e a “competência cumulativa de diversas entidades sobre diferentes aspectos de uma mesma taxa”.

Perante tanta forma de extrair dividendos de forma legal, não admira que falte lucidez aos que tudo querem e poder de choque aos que são reféns de acordos. De uns e outros, aguardamos transparência e respostas inequívocas a algumas questões:

- O que vão fazer as Câmaras com os fartos fundos que os hoteleiros serão obrigados a cobrar? Os milhões de euros serão investidos na habitual mercearia eleitoral ou há já uma percentagem definida para a comparticipação nos custos com a preservação do destino, missão que está a cargo do Instituto das Florestas e Conservação da Natureza?

- A taxa turística tem valor unitário variável devidamente fundamentado, alicerçado em estudos e em pareceres? Em que se baseia opção pelos 2 euros por noite? O montante foi decidido pela mesma malta que fixou o contingente de TVDE na Região? O ‘achismo’ virou moda?

- Os hoteleiros foram alguma vez chamados a pronunciar-se sobre uma matéria que lhes diz respeito? As queixas que já chegaram à ACIF não mereciam tratamento adequado ou os protestos lavrados pelos lesados são menos legítimos do que os regozijos dos beneficiados?