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Inflação da Argentina ultrapassa a da Venezuela e leva argentinos a comerem menos

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Foto Luis ROBAYO / AFP

A Argentina passou a liderar o ranking latino-americano de inflação ao atingir o índice geral de preços de 211,4% em 2023, com aumento de 251,3% nos alimentos, levando os argentinos a comerem menos como estratégia de poupança.

"No último mês de inflação, o impacto no meu bolso foi de 50%, pelo menos. Mudei a minha forma de vida, sabendo que o salário não cresce, mas todo o resto sim. Comecei a comer cada vez menos todos os dias ou a comer sempre a mesma coisa, basicamente farinhas", descreveu à Lusa o editor audiovisual Nicolás Dalmas, de 35 anos.

O Instituto Nacional de Estatísticas e Censos da Argentina (INDEC) divulgou nas últimas horas que a inflação de dezembro chegou a 25,5%, totalizando 211,4% em todo o ano passado.

O registo de dezembro é o mais alto desde março de 1990, quando a Argentina lutava para sair da hiperinflação. Para os 25,5% do mês passado, as principais incidências foram Bens e Serviços (+32,7%), Saúde (+32,6%), Transportes (+31,7%) e Alimentos e Bebidas (+29,7%).

No ano consolidado, Alimentos e Bebidas lideraram a taxa de aumentos com 251,3%, a que mais impacto direto tem sobre o índice de pobreza.

"Tenho sentido os aumentos de preços. O aluguer aumentou 100% de um mês para o outro. Mas no último mês, o aumento em alimentos e bebidas impactou muito. Um hábito que mudei diretamente com alimentação é a quantidade de vezes que posso comer no dia. Ao meio-dia, apenas como algo mais leve para entreter o estómago e deixo para comer à noite", conta Nicolás, que vive em Nuñez, bairro de classe média de Buenos Aires.

"Outra coisa que a inflação do último mês me alterou foi no tempo que preciso agora destinar para conseguir comida mais barata. Vou a vários lugares para conseguir comida com melhores preços e tentar esticar o dinheiro", acrescenta Nicolás, enquanto procura preços numa feira.

Na mesma feira, o comerciante Andrés Acuña, de 53 anos, sente nas vendas da sua barraca de frutos secos e produtos naturais a mesma queda que Nicolás sente no bolso: 50%. Em linha com dados das câmaras de comércio, o consumo em mercados caiu pela metade no último mês.

"Em dezembro, os preços dos meus produtos subiram mais ou menos 100%. Estamos indignados porque o aumento é muito e as pessoas não conseguem comprar. Compram o necessário e cada vez compram menos. Cada vez, ajustam mais o bolso, assim como eu também faço como consumidor. Quando vou ao mercado, procuro não comprar certas coisas que comprava antes como um iogurte, por exemplo. Só compro o básico: leite, macarrão e produtos de primeira necessidade", explica Andrés à Lusa.

Andrés ilustra com números os aumentos de preços que os fornecedores impuseram nos últimos meses quando a inflação passou de 8,3% em outubro, a 12,8% em novembro e a 25,5% em dezembro.

"Há três meses, aumentaram os produtos 40%. Nós nos assustamos. Depois, 50%. No mês seguinte, 100%. Foi exorbitante. Até paramos de vender. Nos últimos três meses, foram aumentos que totalizaram 200%", indica o vendedor.

Até agora, a Venezuela era o país com mais alta inflação na América Latina. Em 2022, os aumentos somaram 305%. No último ano, porém, a Venezuela começou a sair da hiperinflação, fechando dezembro com 3,9% e o ano de 2023 com 193% de aumento de preços, segundo o Observatório Venezuelano de Finanças, um instituto independente do Estado.

O único país que ainda supera a Argentina é o Líbano com 211,9% até novembro (o índice de dezembro ainda não foi divulgado).

Sem acesso ao crédito internacional e com reservas negativas no Banco Central, a Argentina financiou-se com emissão monetária descontrolada e sem respaldo. O rombo no défice fiscal agravou-se quando o então candidato presidencial e ministro da Economia, Sergio Massa, para melhorar as suas chances eleitorais, emitiu o equivalente a 2% do Produto Interno Bruto para distribuir dinheiro.

Ao assumir a Presidência há um mês, o liberal Javier Milei acabou com a emissão monetária, libertou os preços que vinham sob férreo controlo e adotou uma política que pretende acabar com 5,2% de défice fiscal e apenas um ano.

A taxa de inflação de janeiro deve ficar no mesmo nível de dezembro, alimentada por aumentos em torno de 100% nos combustíveis e na medicina privada, por exemplo. A partir de fevereiro, começam os aumentos em energia (gás e eletricidade) que devem oscilar entre 200% e 300%, alimentando novas altas. Em março, com a volta às aulas, o impacto será nos gastos com Educação.

O cálculo entre dezembro e março é de 100% de inflação.

O próprio Javier Milei previu uma inflação entre 20% e 40% até março e uma combinação letal para a economia de estagnação com alta inflação entre 18 e 24 meses.

A variável de ajuste tem sido os salários e as reformas sem nenhum tipo de aumento. Milei já avisou que os servidores públicos não terão reajuste em 2024, apesar de o mercado prever uma inflação de 213% para este ano.

"As pessoas vão medir o governo Milei com o bolso. Se não tiverem dinheiro, principalmente para comida, Milei será julgado por isso. Quando o aumento do combustível chegar ao produto final nas prateleiras e quando impactar o aumento nos serviços públicos, as pessoas vão criticar nas ruas, como já tem acontecido em muitos bairros populares", advertiu Nicolás Dalmas.