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Mais do que futebol

A conquista do campeonato do mundo de futebol feminino pela seleção espanhola ficou manchada pelo controverso caso envolvendo o presidente da Real Federação Espanhola de Futebol, Luis Rubiales, e Jenni Hermoso, jogadora da seleção daquele país.

Para lá do caso em si, entendo que a onda de indignação que o assunto motivou tem um significado profundo e uma leitura relevante. A sociedade está mais do que nunca empenhada em denunciar e condenar a cultura misógina que diminui e cria estereótipos com base no género. Estamos mais atentos e interventivos como sociedade, com maior disponibilidade para escutar quem muitas vezes tinha medo de se fazer ouvir. Esse medo acabou. E com ele, felizmente, tem fim o silêncio passivo da impunidade dos agressores. Uma relação de poder formal não dá direito a intromissão na esfera pessoal e emocional.

Sou um feminista convicto. O feminismo não busca a supremacia das mulheres sobre os homens, mas sim a igualdade de oportunidades, direitos e respeito mútuo numa sociedade em que todos possam beneficiar da igualdade de género. Entendo que temos um longo caminho a percorrer nesse capítulo, em particular no empoderamento das mulheres em todos os aspetos da sociedade.

É importante que se fale da eliminação da violência de género e estereótipos prejudiciais. E temos essa obrigação, como sociedade, de estar fortemente empenhados na guerra contra a intolerância que nos desafia a ser solidários, a ser humanistas, a apelar aos fundamentos dos direitos humanos e aquilo que nos distingue. E é também importante erguer bem alto o megafone dos movimentos sociais e juntarmo-nos todos a uma luta essencial para o nosso desenvolvimento como sociedade moderna e inclusiva. A realização do feminismo para um equilíbrio entre géneros. E tal passa por apoiar e capacitar as mulheres para que tenham voz, escolha e controle sobre as suas próprias vidas. Liberdade para tomar decisões sobre as suas carreiras, educação e vida pessoal sem enfrentar discriminação ou limitações. Passa também por respeitar as decisões de cada um, independentemente do género com que nasceram, em relação às decisões sobre a sua orientação e sobre o seu corpo. Passa por nos empenharmos em questões como a igualdade salarial, representação política, acesso à educação e saúde.

Não basta falarmos de assédio, de abuso online, de condenar a discriminação no local de trabalho, da disparidade salarial, da promoção de estereótipos negativos de género e da violência no namoro. Mais do que falar importa comprometermo-nos, como sociedade, neste caminho. Olhemos para aquilo que podemos fazer e que está ao nosso alcance, porque o nosso papel neste capítulo também é importante para fazer o nosso país melhor. As democracias mais ricas, que apresentam indicadores de desenvolvimento e rendimento superiores, têm um ponto em comum: maior igualdade de género. Com elas partilhamos pontos de vista, valores e objetivos comuns. Avancemos no empenho, não há futuro na intolerância.

No início do ano, o presidente da FIFA, Gianni Infantino, admitiu o objetivo de igualdade nos prémios de jogo entre homens e mulheres nos Mundiais masculino de 2026 e feminino de 2027. Seria certamente uma importante mensagem a todo o mundo, não apenas do futebol se os campeões do mundo em título lograssem esse objetivo antes dessa data. Com o mesmo empenho com que as valorosas jogadoras espanholas conquistaram o troféu em campo.